Cincopes

on 17 dezembro 2024

PROSA - NÓS, JURADOS

Em minha vida, tive a oportunidade de fazer muitas coisas diferentes, pessoalmente ou profissionalmente, no público e no privado.

Uma delas é o papel de jurado na Vara Criminal do Tribunal do Júri, um exercício de cidadania.

Sou apenas um dos sete cidadãos comuns que devem usar a imparcialidade, senso de justiça, consciência e espírito público como representante e porta-voz da sociedade para fazer justiça. Mesmo que sejamos um coletivo de homens e mulheres, o voto é um ato individual e solitário, sendo proibido o debate ou a troca de opiniões entre nós.

Essa experiência me fez entender que juiz não julga, apenas mantém o processo dentro da lei. O povo julga através dos jurados e o juiz define e fundamenta a pena.

Antes do início do julgamento, ao olhar o ambiente, amplo, iluminado, silencioso e frio, não dá para imaginar no que ele se transformará. 

O debate entre promotoria e defesa é um espetáculo de comunicação. A meta é convencer ou persuadir o jurado. E a composição do juri é importante tanto para a promotoria quanto à defesa.

É uma aula de interpretação. Os gestos, os movimentos, a entonação, o olhar, o momento certo de cada gesto, a pausa dramática, a exposição da provas, o rompante para quebra de ritmo... tudo é pensado, estudado e ensaiado. Defesa e acusação tem seu momento, centro das atenções sob um silêncio quebrado eventualmente pelo toc toc do salto se uma das partes for mulher.

É um espetáculo sobre controvérsia, onde a réplica e a tréplica são usados com maestria, e surpresas acontecem por argumentos, provas ou deslizes usadas no momento certo como armas na réplica e na tréplica. 

A defesa tenta desestabilizar a promotoria. A promotoria pressiona a defesa. Ambos tentam despertar a empatia de cada jurado à sua tese.

Antes das provas, a defesa tenta humanizar seu cliente dando provas de caráter, mesmo sendo uma tarefa difícil, às vezes. A promotoria tenta mostrar o dolo e qualificar o ato.

Olho na plateia os familiares e amigos, da vítima e do réu. Para eles, é viver e reviver uma dor. Tento imaginar suas angústias, sede de justiça à espera de um veredito que não apagará sua dor, mas pode lhe dar um pouco de justiça.

Os réus, com raras exceções, são orientados pela defesa a manterem atitude dócil, cabisbaixos, braços cruzados. Se conseguir chorar, marca um gol, que pode não ser decisivo, mas pode fazer a diferença.

O jurado assiste a tudo impassível, porque qualquer manifestação de aprovação ou rejeição pode anular o julgamento.

Geralmente, a acusação tenta montar uma linha do tempo com nexo e lógica baseada na investigação. A defesa tenta desconstruir ou aproveitar qualquer brecha no inquérito.

Porque é importante o júri popular?

Porque todo o crime é cometido contra a sociedade e só ela é capaz de fazer justiça através do alinhamento de três direitos, o da vítima, o do réu e o da sociedade.

Cada vez tenho mais convicção quanto ao papel da defesa. Não cabe a ela a busca da inocência a qualquer custo, mas deve lutar pela aplicação da justiça inocentando seu cliente ou, se culpado, tendo uma pena justa.

Diferente do mostrado em filmes estrangeiros, no Brasil, as perguntas sempre são objetivas. Não há um número fixo de questões, elas se multiplicam conforme a complexidade do crime, mas a resposta para cada uma sempre é sim ou não.

Se você quer entender justiça, deveria assistir um julgamento.

Eu estou ali, mas junto comigo estão todos.

Sua excelência, o jurado. Nós, jurados.