A internet trouxe a velocidade e a massificação da informação, responsável pelas mudanças do mundo, para o melhor e para o pior.
Sun Tzu ensinava que informar é tão importante quanto ter a informação. Alexandre Magno, Genghis Khan e Napoleão Bonaparte enviavam emissários treinados para contar suas glórias e propagandear o poder e a inclemência de suas tropas, abalando a moral de seus adversários.
A
manipulação constrói ou destrói, como o caso da Escola de Base (SP, 1994), que
destruiu a vida de um casal, um motorista e seis funcionários, injustamente
acusados de estupro e violência sexual contra crianças da escola, numa irresponsabilidade
da imprensa e da polícia paulista. O dono da escola, Icushiro Shimada, morreu (2014) aguardando o pagamento da
indenização que a justiça determinou, em 2012, que os meios de comunicação e o
estado pagassem.
Outra
história é sobre o ator Mário Gomes,
galã global no início dos anos oitenta. Charmoso e bonitão, se envolveu com
outra atriz famosa, Betty Faria, então mulher do diretor da TV Globo, Daniel
Filho. O poderoso diretor, como vingança, chamou jornalistas e plantou a versão
de que Mário teria sido internado em um hospital da zona sul carioca com uma
cenoura no ânus. Ninguém entrevistou o ator, procurou o médico responsável pelo
atendimento, ligou para a assessoria de imprensa do hospital, ouviu qualquer
funcionário ou estranhou que o hospital era uma maternidade. O caso o persegue
até hoje.
Em
Porto Alegre, uma jovem disse ter sido estuprada ao descer de um ônibus da
linha urbana T1. O retrato falado do suspeito descrito pela vítima foi
distribuído pelas redes sociais e pela imprensa. Um homem semelhante ao retrato
falado foi confundido e cercado por oito pessoas, sendo agredido e esfaqueado,
mas felizmente sobreviveu. As investigações apuraram que era tudo mentira da
jovem.
Na
área política, temos casos como o candidato a vice-presidente da República, José Paulo Bisol, do ex-deputado
federal Ibsen Pinheiro e do
ex-ministro Alceni Guerra, acusados
e execrados por uma onda de denúncias feitas pela imprensa. Bisol provou a
manipulação e recebeu polpuda indenização (na casa dos milhões de reais) de
vários veículos. Se retirou da vida pública e destinou os valores a várias entidades
sociais. Ibsen, descobriu-se semanas depois o erro, mas ninguém publicou um “erramos”
ou pediu desculpas e as urnas o inocentaram anos depois. Alceni Guerra foi
inocentado pela justiça, mas sua inocência não importava a mais ninguém.
Os
americanos usam a palavra lawfare
(guerra jurídica) para definir esse tipo de ação. É o uso consciente e
sistemático do sistema legal e dos meios de comunicação para destruir o inimigo
através do uso e mau uso do sistema, dando um ar de legalidade aos abusos. É
motivado por interesse econômico, político, ideológico, preconceito ou covardia
e pretende que o seu inimigo se torne também um inimigo do clamor público.
A
outra forma de manipulação moderna é a pós-verdade,
escolhida como a palavra do ano 2016 pela Universidade de Oxford, tal a
importância e impacto que causa no mundo atual.
Pós-verdade
é a capacidade de acreditar apenas nos fatos que se encaixam na sua forma de
ver as coisas. A vítima lê sempre as mesmas fontes, ouve diariamente os mesmos
comentaristas e sempre que toma ciência de uma notícia, imediatamente tenta
enquadrá-la na sua visão de mundo, baseado na sua ideologia, fé, conceitos e
preconceitos. Como exemplo, nossas emissoras de televisão, num país com mais de
duzentos milhões de habitantes, milhares de universidades, milhões de doutores,
mestres, profissionais e técnicos com domínio sobre qualquer tema, entrevistam
sempre os mesmos parlamentares e “especialistas”. Isso também é um exemplo de “agenda
setting”, mas é papo para outro artigo.
A
internet permitiu que as versões se sobrepusessem aos fatos, tal a forma como
são divulgadas. Há uma teia orquestrada para difundir histórias inverídicas que
as pessoas compram porque se encaixam nos seus preconceitos.
A
era digital criou o que os americanos chamam de Cyber Insecurity, a
vulnerabilidade e a possibilidade de manipulação de informações pessoais. Basta
ter um e-mail para que sua vida seja exposta e você seja uma potencial
ferramenta cibernética. Com seus dados, é possível acessar sua rede pessoal,
descobrir quem você é e o que deseja, tornando cada um suscetível a manipulação
para agir conforme desejado.
São
ferramentas usadas para transformar o clamor público em arma a serviço da manipulação.
A opinião pública é a média do pensamento individual de um extrato da sociedade
e dessa maneira, é preciso só influenciar certas pessoas para que estas passem
a ser difusoras de ideias, vontades e desejos determinados, para o bem e para o
mal. Os “influenciadores digitais” são profissionais que ganham fortunas para
dizer o que o dinheiro manda.
A
justiça existe para preservar o suspeito, acusado, denunciado ou condenado do
clamor público, porque ele é anônimo, difuso e muitas vezes covarde,
manipulável e burro. Quando a justiça ouve o clamor público, está relegando seu
papel na democracia.
Lawfare, pós-verdade ou cyber insecurity são a face perigosa da realidade e não são problemas apenas de TI, mas dependem essencialmente das pessoas. Antes de compartilhar ou difundir informações, pense se não estão usando seus medos e preconceitos como lubrificante de uma engrenagem criminosa, inclusive para você.
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