A internet nos dá a maravilhosa oportunidade de
fazer próximos os distantes ou de colocar tão vivas nossas memórias.
O ano de 2017 promete ser de grandes emoções por
marcar datas significativas em minha vida como os 40 anos do dia em que me
tornei um oficial da Arma de Infantaria, do Exército.
Mas antes disso, preciso superar a emoção que me
invade pelas lembranças de minha pré-adolescência e adolescência, vividas
intensamente, muito por provocação de meus pais que sempre nos incentivaram à
participação social e vivência comunitária.
Quando chegamos em Santa Cruz do Sul, cidade no Vale
do Rio Pardo, no final da década de 1960, eu tinha apenas nove anos. E o que
faz uma criança de nove anos a não ser viver? Simples, aprende a viver seu mundo
na intensidade de seu coração.
Um mês após entrar no Colégio Marista São Luiz, me
apresentei ao regente do coral da escola, Irmão Carmo, tentando ingressar no
grupo. Lembro com saudade daquela tarde, o irmão Carmo sentado ao piano fazendo
floreios musicais que eu devia acompanhar ou repetir. Para um mirrado garoto de
nove anos, aquilo era enorme fisicamente, diante do tamanho do palco e da
imensidão do auditório vazio. Também, era enorme psicologicamente, porque um
teste é sempre uma provação que pode dar uma grande alegria ou igual
frustração. Não sei se fui bem ou se o Carmão, como nós o chamávamos, resolveu dar
uma chance aquele moleque nervoso. Hoje isso não importa, pois passei e virei
membro do Coral dos Canarinhos do Colégio São Luiz por cinco anos.
Passados 50 anos desse dia, estou feliz em poder
voltar no tempo e à cidade para reencontrar meus amigos da época, que a vida
afastou, mas não separou. Uma turma que aprendeu jovem o significado das palavras
responsabilidade, companheirismo e lealdade. Eram 36 jovens entre 9 e 14 anos,
convivendo diariamente em ensaios, viagens e pernoites, os mais velhos cuidando
dos mais jovens e cumprindo, sem reclamar, regras para preservar a voz.
Os Canários têm laços comuns, uma história juntos,
um legado à cultura da cidade, fazemos parte da história do colégio, somos
irmãos em arte, temos discos gravados, fotos para compartilhar, fomos manchetes
de jornais pelo Brasil, conquistamos vitórias em festivais, temos lembranças e
saudades para dividir e alegrias para somar.
Nos dias 19 e 20 de maio, em apresentações
comemorativas a data e beneficente, aqueles guris subirão ao palco do velho São
Luiz com seus cabelos grisalhos ou com carecas reluzentes, barrigas proeminentes,
muitos com óculos de grau, marcas do tempo no rosto e com energia juvenil. Levarão
a alegria do reencontro, a emoção de compartilhar com filhos e netos sua
história, a preocupação em não desafinar e nem ser surpreendido pela falta de
memória ao esquecer a letra da música e, como antigamente, com a
responsabilidade de não frustrar o regente. Mas, talvez o maior desafio seja o
de resistir até o fim sem que as lágrimas embacem sua visão da linda plateia
que com certeza estará lá.
Vamos lembrar de nossas inúmeras viagens, dos
lugares que conhecemos, dos ensaios em busca da perfeição, do spray de Gurgol
passando de mão em mão, dos shows nos mais variados lugares e com as mais distintas
plateias, da apreensão até abrir a cortina, da vívida lembrança dos aplausos.
Mas para aquela gurizada não era apenas essa sua
vida. Tinha os jogos de futebol desviando do abacateiro no meio do campo de
areia, os papos na saída da missa das dez, as desavenças resolvidas na parte de
baixo da praça atrás do quiosque, a participação na FIEL – Feira Internacional
Estudantil do Livro, as reuniões dançantes de domingo na casa de alguém ou no
Clube Aliança, onde tinha a tradicional parada entre seis e sete da noite para
não atrapalhar a missa da seis, a pedido do padre Silvério, os namoricos e as
trocas de juras de amor em forma de bilhetes, as quermesses, os clássicos de
basquete Gi-Co (Ginástica e Coríntians) nas manhãs de domingo, a rivalidade
sadia com o Colégio Mauá, os jogos no estádio municipal, as longas partidas de
futebol no canteiro central das ruas ou no campinho inclinado atrás do
cemitério, a espera pela saída das gurias do Colégio Sagrado Coração de Jesus
ou do deslumbramento com as gurias do clássico, os bailes do uísque ou do
suéter, as matines no cinema Vitória ou no outro que agora minha memória me
trai (seria Apolo?), o burburinho da cidade durante a Fenaf, os sorvetes com
coca-cola no quiosque e tantas outras lembranças.
Os Canarinhos foram um sucesso pelo envolvimento e disposição
de três pessoas importantes: a direção firme do regente, Carmo José Gregory, a qualidade
do arranjador, Carlo Aspesi e o respaldo do diretor do Colégio, irmão Evaldo
Neis.
Vamos cantar também pelos que não puderem ir e pelos
que infelizmente já nos deixaram, entre eles o maestro Carlo Aspesi, o tio
Lauro Kops, que por muitos anos guiou o ônibus que nos levou pelos recantos de
todo o Brasil e também por meu pai, entusiasta do coral e que sempre me motivou
a ser e fazer coisas que me desafiassem.
Não sei como vou voltar, mas sei que irei.
Meninos, me aguardem, porque eu vou!!!
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