Cincopes

on 08 dezembro 2023

PROSA - SILÊNCIO DE UM PORTO ALEGRE TRISTE

 Gosto de andar de ônibus, sempre um microcosmos da cidade.

Lá estão as últimas notícias, as fofocas, os fatos e as versões, pontos de vista de experts e leigos, xavecos e chamegos.

Tem a cidade passando na tela da janela, é vida, é cor, é cheiro...

Ultimamente, tudo isto mudou.

Fui ao centro de ônibus e o silêncio da voz do cobrador doeu em meu ouvido.

Ônibus vazio, sem fofocas, histórias de amor e de desencanto, causos de família ou a resenha das festas e baladas.

Meu alento foi pensar que chegaria no centro numa época do ano em que ele pulsa vivo, alegre e esperançoso, mas sofri um novo choque ao ver como está abandonado, cinzento e triste.

Ruas esburacadas, cavaletes atrapalhando o tráfego, placas de vende-se e aluga-se por todos os lados, sujeira e mau cheiro, containers de coleta de lixo transbordando resíduos e chorume, cidadãos como molambos sob as marquises, olhares tristes e cabeças baixas do transeunte, sem artistas de rua e o triste silêncio do locutor de ofertas.

Tenho uma sugestão aos gestores públicos.

Coloquem todos os serviços públicos e bancários nos shoppings com uma grande praça de alimentação e tragam de volta o comércio de rua e os bares de calçada.

Ouvir de novo o debate político e futebolístico na porta das cafeterias, as ruas alegres como passarelas, admirar a beleza dos flertes, observar a troca de opiniões entre os experientes nos bancos das praças, o voar das pombas em seu caminho, o olhar atento da dupla de policiais na esquina, os gritos do vendedor de esperança de fortuna em forma de bilhetes, o poeta popular vendendo seus escritos e incensos, o locutor anunciando ofertas imperdíveis, a cigana tentando ler uma mão, os confrontos nos tabuleiros de damas, o galã atento ao footing das moçoilas (essa é antiga, hein?), os terminais de ônibus fervilhando, o mercado público tomado de frequentadores, o pique para aproveitar o sinal verde, o burburinho dos grupos de estudantes... enfim, a vida pulsando, viva, presente!

Estamos perdendo de goleada para prédios, shoppings, especulação imobiliária e veículos. Se não tomarmos conta das ruas da cidade, a violência e o crime se consolidarão nos espaços públicos, tomando a cidade do povo.

Precisamos de uma gentrificação reversa e menos verticalização.

Mais "gentificação" e menos gentrificação.

Cidades precisam de ar, verde, horizontes e luz, muita luz,

Cidades são humanas.