Gosto de andar de ônibus, sempre um microcosmos da cidade.
Lá estão as últimas notícias, as fofocas, os fatos e as versões, pontos de
vista de experts e leigos, xavecos e chamegos.
Tem a cidade passando na tela da janela, é vida, é cor, é cheiro...
Ultimamente, tudo isto mudou.
Fui ao centro de ônibus e o silêncio da voz do cobrador doeu em meu
ouvido.
Ônibus vazio, sem fofocas, histórias de amor e de desencanto, causos de
família ou a resenha das festas e baladas.
Meu alento foi pensar que chegaria no centro numa época do ano em que ele
pulsa vivo, alegre e esperançoso, mas sofri um novo choque ao ver como está
abandonado, cinzento e triste.
Ruas esburacadas, cavaletes atrapalhando o tráfego, placas de vende-se e
aluga-se por todos os lados, sujeira e mau cheiro, containers de coleta de lixo
transbordando resíduos e chorume, cidadãos como molambos sob as marquises, olhares
tristes e cabeças baixas do transeunte, sem artistas de rua e o triste silêncio
do locutor de ofertas.
Tenho uma sugestão aos gestores públicos.
Coloquem todos os serviços públicos e bancários nos shoppings com uma
grande praça de alimentação e tragam de volta o comércio de rua e os bares de
calçada.
Ouvir de novo o debate político e futebolístico na porta das cafeterias,
as ruas alegres como passarelas, admirar a beleza dos flertes, observar a troca
de opiniões entre os experientes nos bancos das praças, o voar das pombas em
seu caminho, o olhar atento da dupla de policiais na esquina, os gritos do vendedor
de esperança de fortuna em forma de bilhetes, o poeta popular vendendo seus escritos e
incensos, o locutor anunciando ofertas imperdíveis, a cigana tentando ler uma
mão, os confrontos nos tabuleiros de damas, o galã atento ao footing das
moçoilas (essa é antiga, hein?), os terminais de ônibus fervilhando, o mercado
público tomado de frequentadores, o pique para aproveitar o sinal verde, o burburinho dos grupos de estudantes... enfim, a vida pulsando, viva, presente!
Estamos perdendo de goleada para prédios, shoppings, especulação imobiliária e veículos. Se não
tomarmos conta das ruas da cidade, a violência e o crime se consolidarão nos
espaços públicos, tomando a cidade do povo.
Precisamos de uma gentrificação reversa e menos verticalização.
Mais "gentificação" e menos gentrificação.
Cidades precisam de ar, verde, horizontes e luz, muita luz,
Cidades são humanas.
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