Cincopes

on 30 junho 2025

PROSA - CONFLITO ENTRE SEMELHANTES

O mundo se tornou um grande palco onde a teoria de Sigmund Freud, sobre a tendência de vivermos em conflito com quem se parece conosco, se mostra real.

O NARCISISMO DAS PEQUENAS DIFERENÇAS é um conceito sobre nossa sensibilidade de conflito com aqueles que temos semelhança social.

No Brasil, quanto mais lutamos para diminuir a desigualdade, mais as pessoas se assemelham e mais se atacam. O pobre vira classe média, acha que venceu por mérito próprio e se coloca num lugar em que outro não o possa alcançar. Renega a sociedade e o esforço que ela faz para inclusão dele e de outros. E as vítimas são os grupos de amigos, colegas de trabalho e até dentro das famílias, para satisfação de quem incentiva a radicalização.


Este sentimento é presente no preconceito com os nordestinos ou mesmo dentro do mesmo estado como o Rio Grande do Sul com o preconceito racial, a paixão política ou clubística, o gaúcho urbano (cola-fina) e o rural (centauro) ou entre os moradores da metade sul e os da metade norte.

O narcisismo cega a humanidade, numa luta alimentada pelo mercado e por falsos mitos. Você é único, a individualidade é esmagada pelo individual e elimina a importância da coletividade.

Os discursos ridicularizantes, o recalque e os comentários maldosos e humilhantes servem mais para entendermos sobre quem os profere do que a quem eles são dirigidos.

Freud observou que os culpados ou responsáveis pelas diferenças e que estão em classe social distante ou são muito diferentes estão imunes ao preconceito de classe, religião, ideologia, paixão esportiva, nível cultural ou padrão estético, gatilhos que alimentam controvérsias triviais e disparam processos psicológicos como a crueldade, mesquinharia, preconceito, inveja, podendo chegar à polarização e à violência.

Muitas vezes, o sentido de pertencimento e identidade validam a atitude. Defender como capitais valores religiosos, políticos ou clubísticos daqueles que podem deturpar sua profissão de fé em dogmas, mentiras ou pós-verdade, reforça sua posição dentro do grupo ao seu lado na mesma trincheira. E forja compromissos, muitas vezes sutis, com o poder que o domina sem necessidade de verdade, só de percepção de verdade. “Eu sei o meu lugar”, “sempre foi assim”, são exemplos comuns de dominação ideológica e social.

A inveja torna seu igual uma ameaça potencial. “Como ele não tem a mesma percepção que eu?”, “como ele conseguiu antes de mim?” são questões fora do seu alcance cognitivo. Muitas vezes, também é um desejo reprimido. Agredir e matar o outro é uma forma de matar o próprio desejo reprimido. Ou inveja da coragem do outro em ser ele mesmo.

Essas situações se espalham pela história e na sociedade, presentes em guerras, filosofias, arte, política, psicanálise e religiões com dissidências radicais não pelo essencial, mas pelo detalhe.

A identidade social está na diferença e o afasta do poder com a hierarquização. Ela cria uma relativa estabilidade social que pode ser ameaçada pelo risco que a mobilidade social pode representar ao status quo.

A internet potencializou os combates e o semelhante-alvo não precisa estar fisicamente na mesma aldeia.

Compreender o narcisismo das pequenas diferenças promove a empatia, fortalece a tolerância, reduz o impacto dos conflitos triviais, impõe a harmonia e promove a união.

É hora do homem se repensar como ser humano, desenvolver novos tipos de afeto e gratidão, melhorar sua capacidade de dar e receber e ousar amar e ser amado.

Afaste-se do espelho!

Tenho esperança, porque me recuso a validar a estupidez humana.