Cincopes

on 23 dezembro 2022

POLÍTICA - FRENTE AMPLA

O revolucionário mais radical se torna um conservador no dia seguinte à revolução", Hannah Arendt

Pela primeira vez, um candidato a presidente consegue reunir um espectro tão grande de ideologias e interesses numa Frente Ampla nacional.

Lula foi a figura central, mas houve nomes que foram extremamente importantes na sua montagem e na vitória como Alckmin, Tebet, Haddad, Janones, Janja, Marina, Randolfe, Kassab, Boulos, o grupo Liberal Livre e outros.

Essa mobilização surgiu porque o país jamais havia sentido a real necessidade de união política, mesmo que temporária. Houve a tentativa de JK, Carlos Lacerda e João Goulart, em 1966, abatida em voo pela ditadura. E, talvez, possamos considerar a eleição de Tancredo, em 1985, mas dentro de um colégio eleitoral, sem as ruas.

Nos últimos quatro anos, o governo federal desestruturou a rede de amparo social, plantou bombas de tempo na área econômica, quebrou o caixa do país, recuou trinta anos nos costumes, abriu fissuras nas famílias, incentivou o submundo a se organizar, armou o crime, entregou as fronteiras e a Amazônia ao tráfico de drogas, armas e à biopirataria, esgarçou o tecido social no limite da ruptura, desprezou a educação, apequenou a ciência, abandonou a saúde, desconstruiu o prestígio das FFAA duramente reconquistado e, por necessidade de se sustentar no cargo, abriu mão de governar e transferiu um poder descomunal ao Congresso, mais precisamente ao Centrão.

A vitória de Lula coloca em cheque as campanhas digitais. Em 2018, o capitão surfou na onda e surpreendeu. Em 2022, continuou sendo melhor, mas não o bastante. Por medo da reação e violência bolsonarista, o PT demorou a ir às ruas, mas foi onde conseguiu tirar a diferença. O medo que a extrema-direita tem de Lula (vide 2018) se justificou e, se fosse outro o candidato, o resultado poderia ser outro.

A montagem do governo é um teste para medir o pragmatismo do PT, o apetite dos parceiros, o poder de pressão das bases, o fisiologismo do centrão, a ambição dos aliados e a capacidade de Lula para acomodar tudo isso num governo com uma dívida enorme com a sociedade.

O mercado também está dividido entre empresas estruturadas e com background internacional e aquelas que precisam da proteção e caixa do governo, seja em recursos ou legislação.

E os nomes anunciados agora, não resistirão a todo o mandato. Conforme o andar, as melancias se ajeitarão, algumas se jogando, outras caindo ou sendo jogadas da carroça. Lula tem na mão o poder e a confiança da população para reconduzir o país aos trilhos da democracia e paz social, escrevendo seu nome na história. É um desafio enorme, mas não vejo outro nome com capacidade de catalisar e administrar esses interesses diversos, difusos e poderosos. Pode pagar caro se errar, porque não terá tempo e, talvez, nem uma reeleição para se recuperar.

A mudança na lei diminuindo a quarentena (deixou de existir), a conquista voto a voto para aprovar a PEC, a articulação com o STF, a diminuição do campo de manobra de Lira, a ponte com o Senado e a mobilização de algumas lideranças mostrou que Lula vai ter que negociar muito. Os fisiologistas não se renderão barato.

Lula poderia ser mais inflexível, mas a herança do centrão e do capitão deixaram o país na berlinda e diminuíram o poder de barganha do novo governo. Em outro cenário, os parlamentares e os partidos não teriam tanta capacidade de impor condições.

E não adianta reclamar, porque quem elegeu o Congresso foi o povo usando a mesma ferramenta que elegeu o executivo, a urna eletrônica.

Se houve fraude, por que não manipularam também os proporcionais para dar maioria ao Lula?

Fraude? Só delirantes acreditam nessa patacoada.

Lula entendeu que o capitão não tinha senso político e nem ideologia, baseava seu discurso no egocentrismo e em pontos que movimentam uma minoria ruidosa da população. O discurso religioso, o medo irreal da classe média, o machismo bélico, as viúvas da ditadura e estratos da sociedade que se aproveitam do estado para impor suas regras e levar vantagens acabaram seguindo o mito.

Lula venceu usando a política e vai precisar dela pra governar. E política é a arte de ir e vir, ceder, negociar, impor e decidir.

Bora, torcer e fiscalizar para que a justiça e o bom senso preponderem no próximo governo.

x