No
império, os militares faziam a proteção da colônia e consolidação do
território, repeliam invasões, combatiam movimentos populares e religiosos, separatistas
ou apenas de luta por menos impostos, melhores condições de vida, por terra e
outros.
Não
é por nada que Duque de Caxias é o patrono do Exército em detrimento do
Marechal Osório. Caxias era político, Osório era um militar.
O
Imperador usava os militares como poder “moderador” e sua visão da
política se consolidou com um golpe, a Proclamação da República. O poder
moderador tomou o poder.
A
história do Brasil sem intervenções militares seria mais estável. Desde
a Proclamação da República, todos os sobressaltos em nossa vida política
têm os militares no foco da instabilidade e se apresentando como força de
estabilização.
Não
é por nada que os países do primeiro mundo têm um civil à frente da
Defesa e alguns, tidos como exemplo, como os EUA, proíbem seu emprego no
território nacional e são comandadas por um civil. O posto máximo é
chefe do estado maior e para um militar exercer o comando é obrigatório estar
na reserva pelo menos há oito anos. O controle civil é importante para
preservar os interesses nacionais acima dos pessoais dos membros da
instituição.
No
modelo brasileiro, as FFAA são uma instituição muito corporativa e a
convivência das turmas por longo período (décadas) permite a criação de clubes
e “panelinhas”, como veremos a seguir.
Essa
mentalidade, o Exército de Caxias – o Pacificador, atravessou o tempo. É pensamento
dominante intramuros, dos quarteis aos estabelecimentos de ensino. São os
únicos patriotas que sabem o que é melhor para o Brasil, porque dão a vida pela
Pátria, quando vimos por todo o país ambientalistas, sindicalistas, estudantes,
líderes de movimentos populares, pessoas comuns e políticos sendo mortos por pensarem
um Brasil para os brasileiros.
A estrutura capilarizada presente em inúmeros municípios faz
parte da estratégia (CMA, OMs, EE e outros). A projeção de poder interna é
feita via Braço Forte (GLO) e a Mão Amiga, ações sociais e o
próprio serviço militar obrigatório, usado na difusão de sua doutrina.
Seu ex-comandante, general Villas Boas, confessa crimes em seu
livro consciente de sua imunidade e impunidade. O reflexo são as vivandeiras,
com apoio explícito de um ex-presidente, pedindo a “intervenção militar constitucional”, seja lá o que isso quer dizer,
e agora, provocando potência estrangeira a agir contra o Brasil e nossas
instituições e autoridades.
Essa
doutrina ganhou força pós-Segunda Guerra com a criação da Escola Superior de
Guerra (ESG), onde, teoricamente, “se pensa o futuro do Brasil”. Esse “pensar”
tem um viés ideológico, com pensamento único, fora do contexto
democrático, constitucional, jurídico e sociológico. A própria avaliação dos
candidatos passa pela análise do perfil ideológico ou filosófico, mesmo
constando na aba Institucional de seu sítio na web que “Seus trabalhos são de
natureza exclusivamente acadêmica, sendo um foro democrático e aberto ao livre debate” (grifo meu).
Em
2006, o então comandante da ESG, general
José Benedito Barros Moreira, sofreu
forte e agressivo patrulhamento ao convidar o líder do MST, João Pedro Stédile
para uma palestra sobre Reforma Agrária e Meio Ambiente, um assunto
importantíssimo na época e hoje. Ninguém ficou preocupado quanto ao outro
palestrante convidado, o filósofo conservador Denis Rosenfeldt, com muito menos
a dizer sobre o tema.
Obviamente
que pensar o Brasil sem entender TODOS os brasileiros é um erro. Está na
hora de pensar uma ESG sem partido, sem ideologia, digital, sem fronteiras, uma
Escola Superior de Defesa realmente acadêmica e estratégica para ajudar
nas definições geopolíticas da nação.
Desde
2008, quando as turmas de 70 da AMAN começaram a chegar ao generalato, os
militares vêm se reorganizando politicamente. Em 2014, engoliram o orgulho
ferido pelo capitão indisciplinado e o adotaram como candidato à presidência da
República. Eles nunca engoliram Bolsonaro, tanto que só depois de
eleito, em 2018, fizeram a entrega do certificado de conclusão da ESAO,
que ele não recebeu por estar sub júdice, respondia um inquérito
que levou à sua expulsão e posterior reintegração na reserva
quando se elegeu vereador, por uma manobra do general Bandeira, linha dura que
presidia o STM. A entrega poderia ter ocorrido nas centenas de solenidades durante
os 28 anos de mandato, em que ele jamais apresentou projeto na
defesa ou em apoio às FFAA. Sua preocupação era expor sua personagem
histriônica enquanto se mobilizava no baixo clero montando seu clã,
elegendo filhos e empregando no estado, esposa, ex-esposas, tios, sogros, ex-sogros,
cunhados, sobrinhos, amigos e parceiros.
O
grande mentor e líder foi o general Villas-Boas, que mesmo incapacitado
fisicamente, não passou o comando até organizar o Alto Comando com parceiros identificados
ideologicamente. A maioria, em 1977, era subalterno ligado ao general Frota,
quando tentou dar um golpe no golpe. Faltou visão ao executivo
para entender que algo estava errado, porque sua permanência prejudicou
promoções, cortou carreiras, adotou critérios políticos, preteriu bons
profissionais em benefício dos amigos e deu mau exemplo, a tropa entendeu que interesses
podem se sobrepujar a missão.
O
impeachment, em 2016, iniciou a movimentação explícita. MDB e Temer
estavam envolvidos profundamente na corrupção sob investigação. Pela proteção
militar, Temer virou refém, entregou os anéis e preservou os dedos. Os militares subordinaram a estrutura de informações
ao GSI, a afastando da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Iniciou a campanha
ostensiva de candidatos militares em todo o país, com o comando abrindo
os portões à política nos quartéis. Em alguns casos, até com pressão
sobre subordinados e apoio logístico.
Com
a vitória do capitão, todos os membros do ACE durante o impeachment foram
colocados em postos de alto nível no executivo federal, estaduais e em estatais,
à exceção de um único que não compactuou com a estratégia. E milhares de
militares assumiram cargos públicos.
A
realidade mostrou que não teriam as facilidades de uma gestão de uma OM,
onde todos os elementos, internos e externos, estão sob controle. Como me disse
um general, o militar é um profissional chão de fábrica que precisa entender que
governar não é comandar. A Medalha Corpo de Tropa é superior ao Mérito
de Carpete.
Em
gestão pública e política, tudo pode acontecer. Não basta o “cobre e
alinha”, é preciso negociar, ceder, avançar e recuar. Há mais que o preto e o branco
e nem tudo está nos regulamentos e manuais de campanha. A visão de futuro
não pode ter ideologia, limites em profundidade e horizonte, a sociedade é plural
e a geopolítica mundial é pragmática.
O
governo Bolsonaro foi o mais ideológico da história, superou a ditadura
iniciada em 1964, sem diferença de pensamento entre os militares e os radicais
seguidores de Olavo de Carvalho. Um governo monolítico, se fortalecendo com os choques
internos, como é da natureza do capitão.
Ele
sabia que não governaria só com o Centrão. Faltava capacidade, inteligência,
competência e confiança do poder (mercado e empresariado) em seu grupo para
tocar uma máquina do tamanho do governo federal. Não que os militares tenham
essa competência, mas eles têm a confiança de quem tem o real poder. Uma
divisão clássica que já assistimos em 1964. Com eles no governo,
o poder não trocou de mãos e seguiu o baile.
Mas,
sempre há um mas, Bolsonaro, vítima de sua postura e atitudes, se
tornou um problema e maior inimigo de seu governo. Desgostoso com a
tentativa de divisão de poder e ciente de que não era o candidato desejado
para seguir à frente do projeto, a criatura resolveu enfrentar os
criadores ao pressentir que as cabeças militares que o criaram o abandonariam à
própria sorte para permanecerem no poder e cumprir o plano desenhado em 2008.
Entregou
o cofre ao Congresso e mudou o Ministro da Defesa, foco de um pequeno
desajuste entre as partes sobre a forma, não sobre o conteúdo. A
acomodação foi rápida e os nomes foram trocados em 24 horas. Na Defesa, trocou um
general por outro, alinhado ao seu projeto pessoal.
Se
o Exército realmente estivesse incomodado e preocupado pela política ter
chegado à tropa, bastaria o comandante ordenar o retorno aos quarteis de
todos os militares da ativa que ocupavam postos de responsabilidade de civis.
Cobraria da reserva a exclusão de posto ou graduação ao se manifestarem
politicamente, mesmo aqueles com mandato, assim como o uso do nome, posto,
uniformes e distintivos militares em páginas pessoais na internet e nos bem
cortados ternos. Isso inclui as manifestações políticas do Clube
Militar.
Nem
permitiria que Pazuello, um general de divisão da ativa (três estrelas),
assumisse um ministério, cargo superior (1º escalão) ao de seu superior
hierárquico e comandante (2º escalão), Paulo Sérgio, um general de exército
(quatro estrelas). O comandante prestava continência a seu subordinado investido
de ministro de estado, sem passar para a reserva.
Tudo
isso é ilegalidade de acordo com a Constituição Federal e transgressão
disciplinar prevista no Regulamento Disciplinar do Exército, Estatuto dos
Militares (Lei 6.880/80) e na Lei 7.524/86.
O
perfil de Bolsonaro mostra que, além dos problemas de caráter e moral constantes
em seu histórico militar (contrabando, assédio, motim, mineração ilegal,
terrorismo), tem limitada visão estratégica (avança por lanço e ação de
choque), grande capacidade de sobreviver no mundo político de Brasília
por 28 anos (conhecimento do submundo e proximidade com quem resolve), um ego
fácil de ser dominado por bajulação, facilidade em agregar discursos desconexos
(políticos e religiosos) que têm nexo para os fracos de caráter e os
interesseiros, megalomania e sonho de fazer seus herdeiros reinarem na
política ou em nichos e, culminando com sua esperteza sendo muito maior
que sua inteligência. Deu no que deu!
Será
que passou pela cabeça dos mentores dessa estratégia que o oficial
intermediário indisciplinado, que odeia as FFAA (prefere PMs, milícias e
atiradores), ofendeu seus pares e oficiais generais, menosprezou a instituição,
usou os militares como catapulta para seus sonhos políticos, falastrão, verborrágico,
mal educado, mitômano, com evidentes sinais de sociopatia, sem preparo ou polimento
para o cargo, chefe de um clã de estado, seria facilmente dominado tendo poder como
chefe supremo das FFAA?
A
estrutura militar de informações, assessores parlamentares das FFAA e a simples
leitura dos jornais seriam suficientes para ver que o galho era fraco ou, numa
expressão militar, jogaram o EB na jangal!
Hierarquia
e disciplina foram tratadas com leniência e com o mau exemplo dos
comandantes, alguns se assanharam, chegando a trama de golpe quando
viram que a eleição estava perdida e não tinham o apoio popular. Rasparam os
cofres, protelaram dívidas, mobilizaram efetivos, urdiram atentados,
monitoraram opositores, tentaram um levante popular e, como última alternativa,
a anarquia, terreno onde se dão melhor do que na democracia.
O
Exército paga e pagará alto preço pelos delírios pessoais e falta de espírito
público de alguns de seus membros, porque o mito se tornou um problema deles
e de todos os brasileiros.
A
turma de 1920/1930 foi a golpista de 50/60 e formou os instrutores de 70/80. Temo
pelo futuro com a safra 2016/2022.
Pouco importa a orientação ideológica do Presidente da República, as instituições devem se manter dentro de suas atribuições constitucionais, coesas e focadas em seu preparo. Precisamos de FFAA adestradas e equipadas para proteger todas as nossas fronteiras (terrestres, marítimas e aéreas) e a integridade territorial do país. Nosso inimigo não tem vergonha de se aliar ao inimigo alegando o bem do país.
Que
presente teríamos se o resultado da eleição fosse outro, em 2022? Teríamos
um governo de Vichy? Os fatos mostram que, talvez, fossemos mais uma
estrela na bandeira de outro país.
Faço
essa longa pensata para justificar minha defesa firme das FFAA como
instituição e pela punição dos golpistas para evitar que sigamos
evoluindo aos sobressaltos.
O
Brasil espera que a sociedade esteja mais lúcida, as instituições evoluam
e entendam qual o seu papel numa democracia.
Patriotismo
é muito mais do que vestir uma camiseta verde e amarela e cantar o hino
nacional.
Os traidores e colaboracionistas, ao tentarem impor um país a sua imagem e semelhança, traem a nação.
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