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on 18 agosto 2025

POLÍTICA - UM BRASIL SEM MEDO DOS SEUS

No império, os militares faziam a proteção da colônia e consolidação do território, repeliam invasões, combatiam movimentos populares e religiosos, separatistas ou apenas de luta por menos impostos, melhores condições de vida, por terra e outros.

Não é por nada que Duque de Caxias é o patrono do Exército em detrimento do Marechal Osório. Caxias era político, Osório era um militar.

O Imperador usava os militares como poder “moderador” e sua visão da política se consolidou com um golpe, a Proclamação da República. O poder moderador tomou o poder.

A história do Brasil sem intervenções militares seria mais estável. Desde a Proclamação da República, todos os sobressaltos em nossa vida política têm os militares no foco da instabilidade e se apresentando como força de estabilização.

Não é por nada que os países do primeiro mundo têm um civil à frente da Defesa e alguns, tidos como exemplo, como os EUA, proíbem seu emprego no território nacional e são comandadas por um civil. O posto máximo é chefe do estado maior e para um militar exercer o comando é obrigatório estar na reserva pelo menos há oito anos. O controle civil é importante para preservar os interesses nacionais acima dos pessoais dos membros da instituição.

No modelo brasileiro, as FFAA são uma instituição muito corporativa e a convivência das turmas por longo período (décadas) permite a criação de clubes e “panelinhas”, como veremos a seguir.

Essa mentalidade, o Exército de Caxias – o Pacificador, atravessou o tempo. É pensamento dominante intramuros, dos quarteis aos estabelecimentos de ensino. São os únicos patriotas que sabem o que é melhor para o Brasil, porque dão a vida pela Pátria, quando vimos por todo o país ambientalistas, sindicalistas, estudantes, líderes de movimentos populares, pessoas comuns e políticos sendo mortos por pensarem um Brasil para os brasileiros.

A estrutura capilarizada presente em inúmeros municípios faz parte da estratégia (CMA, OMs, EE e outros). A projeção de poder interna é feita via Braço Forte (GLO) e a Mão Amiga, ações sociais e o próprio serviço militar obrigatório, usado na difusão de sua doutrina.

Seu ex-comandante, general Villas Boas, confessa crimes em seu livro consciente de sua imunidade e impunidade. O reflexo são as vivandeiras, com apoio explícito de um ex-presidente, pedindo a “intervenção militar constitucional”, seja lá o que isso quer dizer, e agora, provocando potência estrangeira a agir contra o Brasil e nossas instituições e autoridades. 

Essa doutrina ganhou força pós-Segunda Guerra com a criação da Escola Superior de Guerra (ESG), onde, teoricamente, “se pensa o futuro do Brasil”. Esse “pensar” tem um viés ideológico, com pensamento único, fora do contexto democrático, constitucional, jurídico e sociológico. A própria avaliação dos candidatos passa pela análise do perfil ideológico ou filosófico, mesmo constando na aba Institucional de seu sítio na web que “Seus trabalhos são de natureza exclusivamente acadêmica, sendo um foro democrático e aberto ao livre debate” (grifo meu).

Em 2006, o então comandante da ESG, general José Benedito Barros Moreira, sofreu forte e agressivo patrulhamento ao convidar o líder do MST, João Pedro Stédile para uma palestra sobre Reforma Agrária e Meio Ambiente, um assunto importantíssimo na época e hoje. Ninguém ficou preocupado quanto ao outro palestrante convidado, o filósofo conservador Denis Rosenfeldt, com muito menos a dizer sobre o tema.

Obviamente que pensar o Brasil sem entender TODOS os brasileiros é um erro. Está na hora de pensar uma ESG sem partido, sem ideologia, digital, sem fronteiras, uma Escola Superior de Defesa realmente acadêmica e estratégica para ajudar nas definições geopolíticas da nação.

Desde 2008, quando as turmas de 70 da AMAN começaram a chegar ao generalato, os militares vêm se reorganizando politicamente. Em 2014, engoliram o orgulho ferido pelo capitão indisciplinado e o adotaram como candidato à presidência da República. Eles nunca engoliram Bolsonaro, tanto que só depois de eleito, em 2018, fizeram a entrega do certificado de conclusão da ESAO, que ele não recebeu por estar sub júdice, respondia um inquérito que levou à sua expulsão e posterior reintegração na reserva quando se elegeu vereador, por uma manobra do general Bandeira, linha dura que presidia o STM. A entrega poderia ter ocorrido nas centenas de solenidades durante os 28 anos de mandato, em que ele jamais apresentou projeto na defesa ou em apoio às FFAA. Sua preocupação era expor sua personagem histriônica enquanto se mobilizava no baixo clero montando seu clã, elegendo filhos e empregando no estado, esposa, ex-esposas, tios, sogros, ex-sogros, cunhados, sobrinhos, amigos e parceiros.

O grande mentor e líder foi o general Villas-Boas, que mesmo incapacitado fisicamente, não passou o comando até organizar o Alto Comando com parceiros identificados ideologicamente. A maioria, em 1977, era subalterno ligado ao general Frota, quando tentou dar um golpe no golpe. Faltou visão ao executivo para entender que algo estava errado, porque sua permanência prejudicou promoções, cortou carreiras, adotou critérios políticos, preteriu bons profissionais em benefício dos amigos e deu mau exemplo, a tropa entendeu que interesses podem se sobrepujar a missão.

O impeachment, em 2016, iniciou a movimentação explícita. MDB e Temer estavam envolvidos profundamente na corrupção sob investigação. Pela proteção militar, Temer virou refém, entregou os anéis e preservou os dedos.  Os militares subordinaram a estrutura de informações ao GSI, a afastando da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Iniciou a campanha ostensiva de candidatos militares em todo o país, com o comando abrindo os portões à política nos quartéis. Em alguns casos, até com pressão sobre subordinados e apoio logístico.

Com a vitória do capitão, todos os membros do ACE durante o impeachment foram colocados em postos de alto nível no executivo federal, estaduais e em estatais, à exceção de um único que não compactuou com a estratégia. E milhares de militares assumiram cargos públicos.

A realidade mostrou que não teriam as facilidades de uma gestão de uma OM, onde todos os elementos, internos e externos, estão sob controle. Como me disse um general, o militar é um profissional chão de fábrica que precisa entender que governar não é comandar. A Medalha Corpo de Tropa é superior ao Mérito de Carpete.

Em gestão pública e política, tudo pode acontecer. Não basta o “cobre e alinha”, é preciso negociar, ceder, avançar e recuar. Há mais que o preto e o branco e nem tudo está nos regulamentos e manuais de campanha. A visão de futuro não pode ter ideologia, limites em profundidade e horizonte, a sociedade é plural e a geopolítica mundial é pragmática.

O governo Bolsonaro foi o mais ideológico da história, superou a ditadura iniciada em 1964, sem diferença de pensamento entre os militares e os radicais seguidores de Olavo de Carvalho. Um governo monolítico, se fortalecendo com os choques internos, como é da natureza do capitão.

Ele sabia que não governaria só com o Centrão. Faltava capacidade, inteligência, competência e confiança do poder (mercado e empresariado) em seu grupo para tocar uma máquina do tamanho do governo federal. Não que os militares tenham essa competência, mas eles têm a confiança de quem tem o real poder. Uma divisão clássica que já assistimos em 1964. Com eles no governo, o poder não trocou de mãos e seguiu o baile.

Mas, sempre há um mas, Bolsonaro, vítima de sua postura e atitudes, se tornou um problema e maior inimigo de seu governo. Desgostoso com a tentativa de divisão de poder e ciente de que não era o candidato desejado para seguir à frente do projeto, a criatura resolveu enfrentar os criadores ao pressentir que as cabeças militares que o criaram o abandonariam à própria sorte para permanecerem no poder e cumprir o plano desenhado em 2008.

Entregou o cofre ao Congresso e mudou o Ministro da Defesa, foco de um pequeno desajuste entre as partes sobre a forma, não sobre o conteúdo. A acomodação foi rápida e os nomes foram trocados em 24 horas. Na Defesa, trocou um general por outro, alinhado ao seu projeto pessoal.

Se o Exército realmente estivesse incomodado e preocupado pela política ter chegado à tropa, bastaria o comandante ordenar o retorno aos quarteis de todos os militares da ativa que ocupavam postos de responsabilidade de civis. Cobraria da reserva a exclusão de posto ou graduação ao se manifestarem politicamente, mesmo aqueles com mandato, assim como o uso do nome, posto, uniformes e distintivos militares em páginas pessoais na internet e nos bem cortados ternos. Isso inclui as manifestações políticas do Clube Militar.

Nem permitiria que Pazuello, um general de divisão da ativa (três estrelas), assumisse um ministério, cargo superior (1º escalão) ao de seu superior hierárquico e comandante (2º escalão), Paulo Sérgio, um general de exército (quatro estrelas). O comandante prestava continência a seu subordinado investido de ministro de estado, sem passar para a reserva.

Tudo isso é ilegalidade de acordo com a Constituição Federal e transgressão disciplinar prevista no Regulamento Disciplinar do Exército, Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) e na Lei 7.524/86.

O perfil de Bolsonaro mostra que, além dos problemas de caráter e moral constantes em seu histórico militar (contrabando, assédio, motim, mineração ilegal, terrorismo), tem limitada visão estratégica (avança por lanço e ação de choque), grande capacidade de sobreviver no mundo político de Brasília por 28 anos (conhecimento do submundo e proximidade com quem resolve), um ego fácil de ser dominado por bajulação, facilidade em agregar discursos desconexos (políticos e religiosos) que têm nexo para os fracos de caráter e os interesseiros, megalomania e sonho de fazer seus herdeiros reinarem na política ou em nichos e, culminando com sua esperteza sendo muito maior que sua inteligência. Deu no que deu!

Será que passou pela cabeça dos mentores dessa estratégia que o oficial intermediário indisciplinado, que odeia as FFAA (prefere PMs, milícias e atiradores), ofendeu seus pares e oficiais generais, menosprezou a instituição, usou os militares como catapulta para seus sonhos políticos, falastrão, verborrágico, mal educado, mitômano, com evidentes sinais de sociopatia, sem preparo ou polimento para o cargo, chefe de um clã de estado, seria facilmente dominado tendo poder como chefe supremo das FFAA?

A estrutura militar de informações, assessores parlamentares das FFAA e a simples leitura dos jornais seriam suficientes para ver que o galho era fraco ou, numa expressão militar, jogaram o EB na jangal!

Hierarquia e disciplina foram tratadas com leniência e com o mau exemplo dos comandantes, alguns se assanharam, chegando a trama de golpe quando viram que a eleição estava perdida e não tinham o apoio popular. Rasparam os cofres, protelaram dívidas, mobilizaram efetivos, urdiram atentados, monitoraram opositores, tentaram um levante popular e, como última alternativa, a anarquia, terreno onde se dão melhor do que na democracia.

O Exército paga e pagará alto preço pelos delírios pessoais e falta de espírito público de alguns de seus membros, porque o mito se tornou um problema deles e de todos os brasileiros.

A turma de 1920/1930 foi a golpista de 50/60 e formou os instrutores de 70/80. Temo pelo futuro com a safra 2016/2022.

Pouco importa a orientação ideológica do Presidente da República, as instituições devem se manter dentro de suas atribuições constitucionais, coesas e focadas em seu preparo. Precisamos de FFAA adestradas e equipadas para proteger todas as nossas fronteiras (terrestres, marítimas e aéreas) e a integridade territorial do país. Nosso inimigo não tem vergonha de se aliar ao inimigo alegando o bem do país.

Que presente teríamos se o resultado da eleição fosse outro, em 2022? Teríamos um governo de Vichy? Os fatos mostram que, talvez, fossemos mais uma estrela na bandeira de outro país.

Faço essa longa pensata para justificar minha defesa firme das FFAA como instituição e pela punição dos golpistas para evitar que sigamos evoluindo aos sobressaltos.

O Brasil espera que a sociedade esteja mais lúcida, as instituições evoluam e entendam qual o seu papel numa democracia.

Patriotismo é muito mais do que vestir uma camiseta verde e amarela e cantar o hino nacional.

Os traidores e colaboracionistas, ao tentarem impor um país a sua imagem e semelhança, traem a nação.