Cincopes

on 24 junho 2016

PROSA - SOBRE PINTADOS E PRETOS

SOBRE PINTADOS E PRETOS
Não sou muito de falar sobre fatos pontuais, mas o clamor com a morte da onça pintada no Centro de Instrução de Guerra na Selva do Exército, em Manaus, levantou alguns pontos sobre preconceito, meio ambiente, ignorância e inversão de valores.
 
A morte de Juma, uma onça pintada macho, mascote do 1º BIS – Batalhão de Infantaria de Selva, foi uma fatalidade. Tento imaginar a dor do militar que efetuou o disparo, pois o animal, assim como as outras onças, fazia parte da tropa, é símbolo do guerreiro de selva e da defesa da Amazônia.
Criticar por expor o animal ao stress em participar da cerimônia de passagem da Tocha Olímpica, é desconhecer que um mascote é um animal com convívio permanente com o ser humano, participa de desfiles na rua e dentro da organização, além de formaturas militares que não são breves.
É não reconhecer que se não fosse o resgate e o trabalho do CIGS, sua chance de sobrevivência na selva seria zero.
Muitas questões devem ser respondidas no caso como (1) houve falha na condução do animal, (2) porque ele estava sem focinheira; (3) porque dois dardos não foram suficientes para acalmá-lo; (4) porque não havia uma rede de captura; (5) o animal apresentava anteriormente algum problema de comportamento e não foi detectado: (6) alguém deu ordem para atirar; (7) foi precipitação do militar; (8) foi um EV assustado que reagiu indevidamente... Enfim, várias questões que a investigação vai esclarecer sobre o cumprimento das Normas Gerais de Ação para o caso e, por conhecer o atual comandante do CMA, general Miotto, tenho certeza que a investigação será rigorosa, transparente e a punição, justa.
O trabalho realizado pelo Exército na Amazônia não tem o reconhecimento devido, muito por estar fora dos grandes centros, não ter interesse econômico para a mídia e, também, um pouco pelo próprio hermetismo do Exército.
O CIGS é um estabelecimento de ensino e sua finalidade principal é capacitar militares das Forças Armadas para o combate na selva.
Além dessa face mais conhecida, também capacita tripulantes de aviação comercial, forças auxiliares, pesquisadores, estudantes e trabalhadores de empresas com obras na região.
Faz parte do complexo um zoológico que recebeu diversos prêmios internacionais (10º melhor do Brasil e o 14º da América Latina) na categoria zoológicos e aquários. Recebe mais de 200 mil visitantes ao ano e é o segundo ponto turístico mais visitado em Manaus. São mais de 200 animais resgatados na selva, protegidos contra a extinção ou recuperados no combate ao contrabando animal e biopirataria. Os animais não vivem em jaulas, mas em amplos espaços que reproduzem seu habitat natural.
Tem a Oca do Conhecimento com diversas atividades interativas que nos mostram a diversidade da flora e da fauna amazônica, fazendo a alegria de estudantes, jovens e adultos que buscam conhecer um pouco mais do nosso país.
Tem um laboratório completo para pesquisa medicinal fitoterápica e biodinâmica com vários trabalhos na área de medicamentos, aproveitando o potencial da flora da região, principalmente usando o conhecimento da população indígena e local. Sedia o NAPIBEx - Núcleo Avançado de Pesquisas do Instituto de Biologia do Exército que mantem convênio com várias instituições como a Fiocruz - Fundação Osvaldo Cruz e o INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia para pesquisa de doenças tropicais, sendo todos os resultados compartilhados com a sociedade.
Em suma, é bem estruturado com departamentos importantes para a defesa, preservação e desenvolvimento sustentável da região e cumpre finalidade militar, ambiental, turística, pesquisa, educativa e lúdica.
Diante de toda essa estrutura, é justo entender o ocorrido como uma grande fatalidade e tenho certeza que o CMA e todo o Exército estão de luto.
A minha continência e luto à onça.
Ao militar que disparou e os responsáveis, que suas punições sejam justas.
Alguns aproveitaram para fazer campanha contra os jogos olímpicos, mas sinto dizer que tudo vai dar certo, porque não merecemos mais essa vergonha. Que os ladrões sejam punidos, que os corruptos respondam por seus atos, que o país passe o mais rápido possível por essa turbulência e que, apesar dos pesares, façamos um belo papel dentro e fora da arena esportiva. Só os maus brasileiros torcem por uma tragédia.
E para falar de inversão de valores, a morte de Juma virou top trends na internet e todo mundo tem uma opinião, mas a liberdade dos quatro policiais que mataram cinco adolescentes desarmados com 111 tiros no Rio de Janeiro não mereceu nem nota de rodapé.

Eu entendo, afinal os jovens não eram pintados, eram apenas pretos.