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on 11 outubro 2024

PROSA - OS INÚTEIS VÊM AÍ?

“Você quer viver em um mundo no qual bilhões de pessoas estão imersas em fantasias, perseguindo metas de faz de conta e obedecendo a leis imaginárias?”, Yuval Noah Harari

Significado da Vida em um Mundo sem Trabalho, publicado no The Guardian, é um artigo onde o filósofo Yuval Noah Harari prevê que uma nova classe de pessoas deve surgir até 2050: a dos inúteis. O texto é cheio de pontos e contrapontos, pronto para ser contradito e discutido, mas vou focar no que sua visão importa ao mercado de trabalho.

A gradual eliminação de vagas pelo uso de máquinas que processam milhões de informações em alta velocidade e pelo emprego da inteligência artificial em trabalhos repetitivos desenha um novo mercado de trabalho.

A observação de Harari, junto com os dados publicados pelo IBGE de que 20% dos jovens entre 15 e 29 anos não trabalham e nem estudam, preocupam.

O Dieese contesta o termo que ironicamente usamos, nem-nem, por entender que na verdade não é uma escolha pessoal. Prefere o termo sem-sem, porque apenas 1,4% decidiram não trabalhar, o restante está em cursos não regulares (pré-vestibular, qualificação e treinamento), envolvido em afazeres domésticos (mulheres) e em busca de oportunidade.

Aos jovens sem acesso à tecnologia e oportunidades, desencantados com a realidade, juntam-se os desempregados não empregáveis por desatualização ou etarismo que, cansados de não ter acesso à educação e nem ao mercado de trabalho, se tornam cidadãos-zumbis sem oportunidade de ter esperança.

Harari coloca a inteligência artificial como responsável pelos inúteis, mas a desinteligência natural é parte importante no problema e fator fundamental no surgimento dos sem-sem de qualquer idade ou gênero.

A sociedade precisa se engajar na busca das soluções, porque essa massa e os aposentados terão um peso considerável no gasto público, seja por benefícios ou segurança social.

A explosão das bets no Brasil está relacionada ao pensamento de Harari.

Ele diz que as pessoas que nada tem, se direcionam ao jogo ou à fé, realidades alternativas à sua vida desesperançada. E aqueles que têm, pouco ou muito, se rendem à manipulação de trades, bitcoins ou consumo, outras formas de apostar em busca de um propósito ou sentido na vida.

Frustração ao encarar a realidade e entender que é mentiroso o discurso da prosperidade fácil dependente só de você, são alguns dos motivos que nos fazem compreender o gasto bilionário com apostas e consumo. Ao não atingir sua meta, o jogo, a fé e o consumo se unem na esperança fantasiosa de encontrar realização e um propósito de vida através do realismo mágico.

Essa busca incessante e doentia se torna um vício que consome amargamente sua vida e impacta a célula familiar.

A vantagem é que está em nossas mãos, mitigar ou resolver a situação.

Legislação consciente, educação libertadora, investimentos em inovação, desenvolvimento tecnológico e uma rede social acolhedora com políticas públicas justas fazem parte de uma estratégia que pode evitar o esgarçamento do tecido social que coloque em risco a paz e a segurança.

Antes de tudo, devemos abandonar a fantasia dos discursos sectários, retrógrados, elitistas e uniformes na fé e na ideologia, e tomar um choque de realidade antes que sejamos atropelados pelas consequências de nossa omissão e indiferença.

O Brasil é muito maior que qualquer discurso político. Nossas diferenças são nossa força e base para criar uma identidade nacional realmente brasileira.

E tudo começa com o voto!