Cincopes

on 15 janeiro 2024

POLÍTICA - MISTÉRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Antes de discutirmos a criação do ministério, precisamos entender o mistério da segurança pública para podermos repensar o sistema policial brasileiro.

A estrutura atual é condizente com nossas necessidades? Ela é moderna, integrada e alinhada? A proteção ao sistema e a governança são eficientes e eficazes? As informações são confiáveis e transparentes? As Corregedorias são independentes?

A estrutura atual é condizente com nossas necessidades? Ela é moderna, integrada e alinhada? A proteção ao sistema e a governança são eficientes e eficazes? As informações são confiáveis e transparentes? As Corregedorias são independentes?

Os governos estaduais devem ter autonomia para gerir a segurança, mas devem ter parâmetros definidos numa política nacional de segurança pública.

Assim como a defesa, em nível nacional, não é um assunto militar, segurança pública não é um problema policial. Ambos são questões da sociedade, sempre marginalizada e vítima da falta de políticas ou sua manipulação por grupos corporativistas.

Segurança envolve educação, assistência social, infraestrutura, serviços públicos, políticas de inclusão, gestão comunitária e justiça social. Quando tudo isso falha, a falta de segurança pública obriga a ação policial para conter o efeito da omissão do estado e da sociedade. A violência, um problema social, vira crime, uma questão policial.

Se governadores fazem contorcionismos para agradar inúmeros sindicatos e associações, imagina um ministério concentrando esse poder armado e corporativo em nível nacional, tentando atender demandas de 27 polícias militares, 27 civis, 27 bombeiros, 27 penitenciários e 27 técnicos criminalísticos.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, mais de uma dezena de entidades que se dizem porta-vozes de grupos civis (5), policiais e bombeiros militares (6), agentes penitenciários (2) e peritos criminais (2), criam um problema enorme ao governador de plantão. Multipliquem esse exemplo por 27.

As próprias forças policiais não são unidas ou teríamos apenas um sindicato policial por estado na defesa da categoria, não de grupos. As disputas políticas e operacionais entre as polícias, as diferentes formas de ingresso, a estrutura hierarquizada das polícias militares e em círculos da civil criam conflitos internos que prejudicam a sociedade.

E ainda há o problema da tomada do aparelho policial pelo crime organizado e milícias, além do poder das bancadas policiais e da bala nas assembleias e congresso.

É preciso uma regra nacional desenhando as estruturas estaduais ou nunca conseguiremos ter uma política de segurança em benefício da sociedade. A integração que não existe nos estados, também é um grande problema nacional. Não há padronização de processos, integração entre estados, banco nacional de informações e até hoje, doze anos após a criação do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública – Sinesp, muitos estados ainda não enviaram os dados para serem incluídos no sistema.

Lembro quando a política Tolerância Zero dos EUA seduziu alguns brasileiros defensores das polícias. Se o modelo norte americano tivesse sido implantado no Brasil, hoje, teríamos uma nova realidade ou metade da nossa polícia estaria atrás das grades.

Regras como janelas quebradas, terceira violação, responsabilidade civil, proibição de consumo público de bebidas alcóolicas e restrição ao porte de armas, além da criação do patrulhamento comunitário fizeram parte da última etapa de sua implantação.

O processo envolveu estratégia, inteligência e táticas, além da reforma pedagógica, novas disciplinas, nova doutrina, treinamento intensivo, manuais de engajamento mais rígidos, novo perfil do aluno e novas estruturas na academia de polícia.

Num dia qualquer, treze anos após o início do projeto, pelas portas dos distritos entraram novos efetivos, guetos corporativos foram desmantelados, lideranças negativas presas ou aposentadas e uma nova filosofia de segurança pública foi implantada. Todo o trabalho policial, do patrulhamento à investigação, tem supervisão direta da promotoria representando o controle do poder público. O modelo foi adotado pela maioria dos municípios norte americanos, já que lá a polícia é de responsabilidade do prefeito.

A Corregedoria caça talentos ainda na academia e, além de investigar, passou a ser instância para reforma ou recurso ao trabalho do departamento de Assuntos Internos, inibindo o corporativismo.

O ingresso é único, todos entram como patrulheiro (oficial) e somente após alguns anos de serviço na rua é que pode começar a optar por carreira e promoções.  A progressão na carreira é resultado de um longo processo de evolução profissional baseado na qualificaçãotreinamento e desempenho. Uma carreira com poucos níveis hierárquicos iniciando todo mundo como oficial e depois sargento, tenente, capitão e comandante (xerife, delegado ou Comissário).

Fardado ou à paisana, todos ocupam o mesmo prédio (distrito) e são subordinados ao mesmo comandante. Oficiais usam taser e pistola, detetives somente pistola e todos usam câmeras corporais em capturas ou perseguições. Armas pesadas são de emprego exclusivo da Swat, sempre empregada para ação específica e localizada com a supervisão de um oficial com a patente de capitão.

Oficial e sargento precisam ter o ensino médio (high school), tenentes e capitães, nível superior e pós-graduação e comandantes precisam de mestrado ou doutorado em matérias como gestão pública, inteligência e segurança.

E mesmo com tudo isso num país onde regras quebradas são punidas, ainda vemos problemas como preconceito, racismo e violência por parte da força policial.

Penso, que no Brasil, a Polícia Federal deveria fazer a supervisão das polícias estaduais, inclusive as militares, assumindo a responsabilidade que hoje é do Exército. E os bombeiros deveriam fazer parte da Defesa Civil, tanto os militares quanto os voluntários.

Entendo a necessidade da polícia ostensiva, judiciária, técnica e penitenciária, mas está mais do que na hora de termos um só comando e uma só polícia estadual, unida e integrada.

Parafraseando *Georges Clemenceau, a segurança é uma coisa demasiada grave para ser confiada aos policiais.

A segurança pública deve estar nas mãos da sociedade.

* "A guerra é uma coisa demasiada grave para ser confiada aos generais", George Eugène Benjamin Clemenceau, jornalista, estadista e médico francês no livro Sessenta Anos da História Francesa.