“O riso mata o
medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demônio não precisa
mais de Deus”, abade Jorge Burgos, no livro O Nome da Rosa.
O título é provocativo porque, obviamente a fé não
é problema. Falo de sua manipulação.
Religião é religar, se reconectar ao amor, à vida, ao próximo, a Deus. Somos todos irmãos, lembram?
O catolicismo se confunde, em
sua origem, com o poder. Papas e cardeais eram considerados infalíveis e tinham exércitos, reinos,
ricos patrimônios, escravos e poder político, motivos que entre os anos 1.000 e
1500, fizeram a igreja enfrentar crises
que acabaram em cismas, reformas
religiosas e declínio político.
O resultado foi o surgimento de dissidências questionando a Bíblia e dando às escrituras uma interpretação própria. No final do século XX, o ressurgimento do neopentecostalismo resgatou a venda de indulgências, acúmulo de riquezas, corrupção, patrimonialismo e abuso de poder.
A evangelização usando a Teologia
do Domínio – luta eterna entre Deus e o Diabo, e a Teologia da Prosperidade – a santidade de usos e costumes e a
organização empresarial, transformou pastores em prospects e coachs
de almas. Eles estão nas cadeias, nas salas de espera de hospitais, nas portas
de postos de saúde, nos fundões abandonados de vilas, nas tvs e rádios não para
oferecer conforto, mas para caçar
almas em momentos de fragilidade.
Alguém vê umbandista em
estações do metrô pregando sua fé como única?
Alguém encontra judeus em
praças públicas pregando sua fé como única?
Alguém sabe de um canal de tv ou rádio islamita pregando sua fé como única?
Alguém recebeu em sua porta um hindu
pregando sua fé como única?
Alguém conhece um budista que
usa o cargo público para pregar sua fé como única?
Pastores e bispos neopentecostais se transformaram em líderes de um império comercial com templos
espalhados pelo mundo inteiro tendo metas
de receitas e análise de desempenho.
Desde a Constituinte, o Brasil vê crescer o risco de se transformar em
uma teocracia, o estado laico ameaçado pelos mercadores da fé.
Nos últimos anos, um governo fraco viu no discurso messiânico um dos sustentáculos para seu poder e os pastores não
perderam a oportunidade. Na última
eleição, colocaram familiares, parentes e assessores como candidatos, cuidadosamente espalhados
pelo país. O pastor RR
Soares elegeu seus dois filhos, um por São Paulo e outro pelo Rio de Janeiro,
estratégia copiada do clã Bolsonaro.
O pastor José Wellington Bezerra da Costa elegeu três filhos – um deputado
federal, uma deputada estadual e uma vereadora, em São Paulo. E há outros
exemplos pelo país, inclusive casais em que ambos são parlamentares como
Maranhãozinho e Detinha, do Maranhão. A missão do eleito não é defender o povo, mas os interesses
da seita.
Usando seu poder de oratória, mentem,
tergiversam, criam histórias, difundem versões, se vitimizam e propagam o medo
para convencer os fracos de caráter ou em situação de risco.
Combatem o “inimigo” com uma máquina
de comunicação sustentada pelo dinheiro público, fruto da isenção e benefícios
fiscais, e pelas oferendas e dízimos dos fiéis.
Pregam o medo, o confronto entre o bem e o mal, o fogo do inferno e o demônio
para manter seus seguidores. O fim da família “tradicional”, o fantasma do
comunismo, a fantasia da “ideologia” de gênero, o temor da esquerda, o
ceticismo com a ciência, a ameaça da educação libertadora, o risco dos direitos
humanos são pontos presentes em
todas as pregações.
Amor ao próximo, humanidade e fraternidade passam longe de seus
púlpitos e microfones.
Jesus Cristo era um revolucionário que defendeu as mulheres, acolheu
os pobres e doentes, afrontou
ditadores e fariseus, partilhou o
pão, criticou a ostentação dos
templos e fez sua igreja entre os necessitados
sem pedir um centavo de dízimo.
Pregava a autonomia da consciência na
prática do bem e sem pedir nada para
si.
Em todas as religiões a fé é a energia que alimenta, move e dá livre arbítrio ao homem para fazer e desfazer, errar e acertar. Os
mercadores da fé lhe tiram o livre arbítrio ao definir o que você pode ou não pode.
Ninguém te oferece fé, ninguém é portador da tua fé, ninguém desperta tua fé.
De acordo com a Bíblia, o desejo de
fé já é um ato de fé.
Se os bons entre eles não reagirem,
cairão junto nas profundezas do inferno.
Como homem de fé, vade retro, satanás!
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