Cincopes

on 06 junho 2024

POLÍTICA - AGRO É POP, MAS...

A tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul trouxe à luz um problema que os números da balança comercial vem escondendo, a crise na produção de alimentos com a distorção criada pela concentração na produção de grãos exportáveis.

A tecnologia melhorou a produção, mas não modernizou o pensamento do campo.

O dinheiro público financia o agro, mas não há contrapartidas semelhantes aos EUA e Europa, onde o produtor é tão subsidiado quanto aqui, mas com o compromisso de exportar apenas o excedente. O produto exportado não pode faltar para o abastecimento do mercado interno. Por isso, os anúncios feitos pelos governos norte-americanos e europeus com os números das safras são tão esperados pelo mercado interno e externo.

Enquanto não tivermos pensamento estratégico com foco no desenvolvimento econômico, responsabilidade social e segurança alimentar, correremos o risco de desastres climáticos frequentes e tragédias sociais cada vez maiores.

Nas últimas décadas, mesmo com o crescimento do PIB, aumentou a desigualdade social, a concentração de renda, não houve melhora nas condições de vida da população e a renda per capita não aumentou na mesma proporção que o PIB.

E o desequilíbrio ambiental e climático tem como principal responsável e primeira vítima o campo, com consequências econômicas para o país e na mesa do brasileiro.

Precisamos realinhar a economia, ter uma nova matriz produtiva, um novo ciclo industrial, tecnologia que gere progresso e renda, sem a distorção do PIB dependente do agronegócio.

No campo, investir na produção de alimentos, melhorar produtividade, aproveitar área plantada com critério, universalizar o uso da tecnologia, aplicar a rotação de culturas, preservar o meio-ambiente e, principalmente, agregar valor com indústrias de transformação e agroindústrias.

No apoio técnico, incentivar pesquisas e garantir preço, mercado, seguro, logística e tecnologia podem fazer com que o produtor permaneça no campo. Na legislação, ter regras para que commodities não invadam áreas de plantio de alimentos como feijão, arroz e mandioca pela busca do produtor por melhor renda.

O Brasil precisa que o setor primário - grãos, alimentos e pecuária - caminhem juntos.

Nos últimos 30 anos, a mudança no setor impactou a segurança alimentar brasileira. A área de produção de alimentos diversificados para consumo interno caiu de 25% para 7% e a área dedicada a grãos exportáveis passou de 49% para 78%. O arroz, por exemplo, está praticamente restrito ao Rio Grande do Sul, sumindo produtores do Maranhão, Rondônia e outros estados. Apesar desse impacto, é o setor que mais absorve crédito, menos paga imposto, gera menos empregos formais, tem o menor salário, é o maior devedor e contribui com apenas 5% da riqueza nacional, longe da indústria (25%) e muito longe de comércio e serviços (54%).

Três quartos da produção de commodities, por ser transgênica, não é destinada ao consumo humano, mas à produção de ração animal e fabricação de combustíveis fora do país.

O Ministério da Agricultura projeta para 2030 que a área destinada a produtos diversificados (alimentação) caia ainda mais e a de milho e soja cresça 27%, um enorme risco para o setor de grãos e proteína animal com o avanço agrícola que acontece nos países da África.

Grandes consumidores de alimentos como China e Europa, com a desminagem de grandes extensões de terras e seu apoio técnico, veem um grande futuro no solo produtivo e praticamente virgem do continente africano, muita mão de obra disponível, produção de produtos não geneticamente modificados e menor custo logístico do que o Brasil. A África pode se tornar a próxima fronteira agrícola em até 20 anos.

O governo precisa dar ao produtor de alimentos as mesmas condições do agronegócio - seguro safra, equalização de juros, inclusão na merenda escolar e na cesta básica, justiça tributária, garantia de mercado e distribuição.

E no âmbito legal, combater a grilagem, desmatamento, queimadas e crimes contra a pessoa.

Precisamos retomar a produção de alimentos com urgência!

O espaço político do agro é consequência da negação ou glorificação de nosso passado colonial, sendo mais negócio do que agro.

A economia do Brasil surfa entre o liberalismo financeiro e o capitalismo seguro do campo.