A tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul trouxe à luz um problema que os números da balança comercial vem escondendo, a crise na produção de alimentos com a distorção criada pela concentração na produção de grãos exportáveis.
A tecnologia melhorou a produção, mas não modernizou o pensamento do campo.
O dinheiro público financia o
agro, mas não há contrapartidas
semelhantes aos EUA e Europa, onde o produtor é tão subsidiado quanto aqui, mas com o compromisso de exportar apenas o excedente. O produto exportado não pode
faltar para o abastecimento do mercado
interno. Por isso, os anúncios feitos
pelos governos norte-americanos e europeus com os números das safras são tão esperados pelo mercado interno e externo.
Enquanto não tivermos pensamento
estratégico com foco no desenvolvimento
econômico, responsabilidade social
e segurança alimentar, correremos o
risco de desastres climáticos frequentes e tragédias sociais cada vez maiores.
Nas últimas décadas, mesmo com o crescimento do PIB, aumentou a desigualdade social, a concentração de renda, não houve
melhora nas condições de vida da população e a renda per capita não aumentou na
mesma proporção que o PIB.
E o desequilíbrio ambiental e
climático tem como principal responsável e primeira vítima o campo, com
consequências econômicas para o país e na mesa do brasileiro.
Precisamos realinhar a economia, ter uma nova matriz produtiva, um novo ciclo industrial, tecnologia
que gere progresso e renda, sem a distorção do PIB dependente do agronegócio.
No campo, investir na produção
de alimentos, melhorar produtividade, aproveitar área plantada com critério,
universalizar o uso da tecnologia, aplicar a rotação de culturas, preservar o
meio-ambiente e, principalmente, agregar valor com indústrias de transformação
e agroindústrias.
No apoio técnico, incentivar
pesquisas e garantir preço, mercado, seguro, logística e tecnologia podem fazer
com que o produtor permaneça no campo. Na legislação, ter regras para que commodities
não invadam áreas de plantio de alimentos
como feijão, arroz e mandioca pela busca do produtor por melhor renda.
O Brasil precisa que o setor primário
- grãos, alimentos e pecuária - caminhem juntos.
Nos últimos 30 anos, a mudança
no setor impactou a segurança alimentar
brasileira. A área de produção de alimentos diversificados para consumo interno
caiu de 25% para 7% e a área
dedicada a grãos exportáveis passou de 49% para 78%. O arroz, por exemplo, está praticamente restrito ao Rio Grande do Sul, sumindo produtores do Maranhão, Rondônia
e outros estados. Apesar desse impacto, é o setor que mais absorve crédito,
menos paga imposto, gera menos empregos formais, tem o menor salário, é o maior
devedor e contribui com apenas 5% da riqueza nacional, longe da indústria (25%)
e muito longe de comércio e serviços (54%).
Três quartos da produção de commodities, por ser transgênica, não é
destinada ao consumo humano, mas à produção de ração animal e fabricação de
combustíveis fora do país.
O Ministério da Agricultura projeta para 2030 que a área destinada a
produtos diversificados (alimentação) caia
ainda mais e a de milho e soja cresça
27%, um enorme risco para o setor de grãos e proteína animal com o avanço
agrícola que acontece nos países da África.
Grandes consumidores de alimentos como China e Europa, com a
desminagem de grandes extensões de terras e seu apoio técnico, veem um grande futuro no solo produtivo e praticamente virgem
do continente africano, muita mão de
obra disponível, produção de produtos não
geneticamente modificados e menor custo
logístico do que o Brasil. A África pode se tornar a próxima fronteira agrícola em até 20 anos.
O governo precisa dar ao produtor de alimentos
as mesmas condições do agronegócio - seguro safra, equalização de juros,
inclusão na merenda escolar e na cesta básica, justiça tributária, garantia de
mercado e distribuição.
E no âmbito legal, combater a
grilagem, desmatamento, queimadas e crimes contra a pessoa.
Precisamos retomar a produção
de alimentos com urgência!
O espaço político do agro é consequência da negação ou glorificação
de nosso passado colonial, sendo mais negócio
do que agro.
A economia do Brasil surfa entre o liberalismo financeiro e o capitalismo seguro do campo.
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