Cincopes

on 03 junho 2024

PROSA - LEMBRANÇAS

A gente sabe que a vida valeu a pena quando lembramos das pessoas que encontramos em nosso caminhar. Mesmo um contato fugaz pode nos deixar lembranças profundas. Tem aquelas que deixam uma mensagem, outras estão lá na hora certa, há as que te envolvem com o sorriso e a atenção e algumas parecem sinais que marcam indelevelmente nossa alma.

Não importa quando, onde ou quem, apenas sentimos o seu toque e sua presença.

Num momento maluco da vida, encontrar uma alma gêmea em loucura é garantia de histórias, conexões e envolvimento.

Sincronia assimétrica, alinhamento desalinhado, sobe e desce, um anda, o outro corre, um pula e o outro grita... foi assim com ela, a linda garota que iluminava a recepção da empresa.

Ela estava no lugar certo, impossível não ser impactado por sua figura logo na entrada.

Dona de um lindo sorriso, emoldurado por olhos castanhos claros flamejantes, lábios definidos, rosto enigmático, cabelo castanho claro na altura dos ombros e um magnético sinal acima do lábio, que lhe dava um charme especial. Se o rosto impactava, imagina quando ela erguia seu corpo curvilíneo, coxas grossas, seios pequenos, mãos simétricas, altura mediana e movimentos naturalmente provocantes. Ela era um ser sensual e sua simples visão despertava desejo.

Ela era a garantia de que o trabalho estressante teria o bálsamo de seu sorriso.

Impulsividade, pele, cheiro, toque, um olhar ou apenas saber que ela estava lá, incendiavam meu coração. Seu jeito meio moleca tinha o poder de me fazer adolescente, por mais sensato que eu tentasse ser.

O ambiente de trabalho era informal e criativo. Ríamos muito, o almoço em restaurantes próximos, sempre em grupos, eram alegres, o bom humor era contagiante e ainda tinha ela, garantia de boa companhia.

A gente se entendia, almoçávamos quase sempre juntos e ela sabia que me fascinava. Nunca perdi a chance de fazer brincadeiras maliciosas e ela sempre respondia a altura ou entrava no espírito e ria junto. E tinha as ligações que eu recebia com alegria quando reconhecia o toque de chamada interna e me deliciava com sua voz, suave e dengosa. Pelo menos pra mim!

Nossa proximidade foi evoluindo até que o inevitável aconteceu. Estávamos na cozinha e, entre um café e outro, aconteceu.

Ela me encarou e tudo nublou. Não que fosse um olhar convidativo, safado, era até um pouco inocente, mas só vi tesão.

Maluquice, nâo?

Agora, sim, mas na hora, não pensei em nada.

Ela me prendeu em seu sorriso, seu olhar me hipnotizou e mergulhei em seus olhos brilhantes, mirei seus lábios e me perdi.

Foi um beijo roubado, fugaz e marcante. Nos afastamos meio atônitos, em câmera lenta, suados e vermelhos. Reagimos rapidamente, não queríamos ser flagrados pelos colegas.

Voltei para minha sala sabendo que nada mais seria igual.

Nossos almoços passaram a ser mais longos e sempre havia o que perguntar.

- Fico tarado quando te olho, me arrepio quando tu passa, tua voz me excita e fico louco de vontade de te agarrar quando a gente almoça. Daria tudo pra não precisar voltar ao serviço, confessava eu.

Nossa intimidade foi num crescendo e se tornou coisa de pele. Aproveitávamos qualquer momento,em qualquer lugar, para trocar carinhos, afagos e beijos. Era impossível estarmos perto sem que houvesse um toque.

Vivíamos perigosamente e com intensidade cada momento.

Pouco importava se era rapidamente no elevador, um cruzar no corredor, um toque de mão ao alcançar o telefone, o tom de voz ao passar o recado, um olhar por sobre o ombro, um piscar de olhos sorrateiro ou um beijo jogado disfarçamente.

Havia dias torturantes. Eu sentava no sofá, acendia um cigarro e fechava os olhos tentando curtir o silêncio, mas a certeza de sua presença a poucos metros, me faziam ouvir meu coração.

Tantas vezes parei na porta e admirei aquela gata. Às vezes, ousadamente, chegava de fininho e beijava seu pescoço. Adorava suas reações entre o susto comedido e o dengo charmoso.

E as caronas, então? Adorava os engarrafamentos para ficarmos mais tempo juntos.

Ela dizia que eu era cara de pau safado e ela tinha razão. E eu ficava feliz ao ver seu sorrisinho maroto quando dizia isso.

Fizemos muitas loucuras e tinhamos um acordo tácito de manter nosso envolvimento no plano da companhia, apoio e satisfação mútua. Ela nunca me deu xeque-mate e, no fundo, ela gostava daquela relação com muitas emoções e adrenalina.

Não sei se manteria esse patamar se tivesse ficado mais tempo perto dela, mas um providencial trabalho em outro estado nos afastou.

A única frustração que restou me acometeu alguns meses depois.

Cansado e insone, deitado no quarto do hotel, curtia sua lembrança quando percebi que nunca dormimos uma noite juntos para ter o prazer de acordarmos juntos.

Gostaria de saber como seria acordar ao seu lado, ver seu sorriso matinal, sentir seu calor e a abraçar desejando um bom dia.

Pena, mas nem tudo é perfeito.

Ficaram lembranças e saudade.