Cincopes

on 17 junho 2024

POLÍTICA - RELIGIÃO, IGNORÂNCIA, POLÍTICA, MEDIOCRIDADES

O governo, imprensa, instituições e organizações democráticas precisam parar e fazer um grande debate nacional para descobrir uma forma de acessar o coração e a mente da população.

O problema do governo para se comunicar com a população é o mesmo que temos em nossos pequenos círculos pessoais.

Eu, um cidadão comum e com um círculo razoavelmente bem formado em educação e cultura, não consigo dialogar com algumas pessoas próximas e amigos. É enorme a quantidade de bobagens, fake news e “teorias” nos grupos e inbox. A maioria disfarça seu preconceito e inveja num discurso ideológico ou de falsa isenção, alguns são inocentes em sua convicção e uns poucos têm mesmo é má-fé. Há casos que a psicologia entende e outros, a psiquiatria explica.

É difícil uma conexão se a pessoa nega a sua própria realidade. Como exemplo, 71% da população acha que as pessoas vivem em bolhas nas redes sociais, mas apenas 30% admitem fazer parte de alguma. O problema é sempre o outro.

Como furar essa bolha? Como superar a dissonância cognitiva? Como chamá-los à realidade?

Sempre me dizem pra não tentar ser sensato em um debate com malucos, mas sigo tentando porque ainda acredito em solidariedade, mesmo na ignorância.  

A pesquisa do Instituto Locomotiva mostra números assustadores quanto ao conhecimento, cultura e ignorância da população brasileira.

Alguns números:

- 15% da população acredita e 5% afirma que a terra é plana.

- Entre os adultos, 29% acredita na terra plana, incríveis 40 milhões de pessoas!

- 29% não acredita que o homem pisou na lua.

- 55% não acredita no evolucionismo e 29% afirma que é mentira.

- 12% afirma que vacina causa autismo.

- 11% acredita que as vacinas foram usadas para implantar chips.

- 22% acredita que caixões foram enterrados com pedras pra inflar os números de mortos.

Não é pouca gente, porque cada 10% é cerca de 16 milhões de brasileiros entre a população  economicamente ativa. E nem é o calor do momento, porque passados dois anos do ápice da pandemia e com estudos publicados, esclarecimentos divulgados e sem nenhum caso que comprove seus medos, continuam acreditando ou são convictos.

No campo de batalha, negam a verdade, menosprezam a ciência, desacreditam o poder.

Muitos deles têm conteúdo e poderiam ajudar, mas como debater se negam fatos e a história? Se entidades, como o Conselho Federal de Medicina, negam a ciência? Se juristas interpretam a lei com viés ideológico? Se políticos não crêem no estado laico e colocam a fé acima da justiça social, esquecem que todos têm os mesmos direitos independente de credo ou filosofia?

Nessa luta permanente para desacreditar as instituições, temos o negacionismo como uma doença pandêmica, a fé como ferramenta de manipulação de inocentes ou fragilizados e a desinformação como estratégia de disputa do poder.

É um processo intenso, constante e progressivo de desconstrução da verdade factual.

Trabalho com política desde 1986. Já trabalhei com todos os espectros políticos e vários perfis de homens públicos, de um extremo a outro, e nunca vi tanta falta de moral, espírito público e civilidade de nossos políticos.

A mediocridade em seu nível mais baixo se tornou teto pela extremada ignorância inversamente proporcional ao nível moral.

Somos um país diverso em todos os fundamentos - gênero, étnico, filosófico, religioso, cultural, social, econômico ou ideológico. Democracia é conviver com isso, sem tentar acabar com o outro, porque isso significaria o nosso próprio fim. Como saber que o vermelho é bonito sem comparar com o azul? E o mundo vai do preto ao branco sem passar pelos tons de cinza? Como saber se é direita se não houver esquerda? Como fazer o certo se não entender o errado? Como praticar o bem sem reconhecer o mal?

O ser humano não é dual, é um código de barras que temos que saber ler para interpretar.

A mobilização nacional espontânea rejeitando a PL 1904, que criminaliza a vítima de estupro, mostrou ao governo que a sociedade pode ser conservadora, mas não é burra.

Se tocar no ponto certo, pode surgir uma fagulha que mobilize a sociedade e impeça essa onda de retrocesso que ameaça a democracia.