Cincopes

on 07 fevereiro 2024

POLÍTICA - IDEOLOGIA FARDADA

"Há mais de um caminho até o topo da montanha", Miyamoto Musashi

O comandante do Exército, general Tomás, proibiu manifestações que exaltem o golpe que levou o país à ditadura, em 1964. Concordo em gênero, número e grau porque um Exército ideológico é um perigo à nação, principalmente onde existe o serviço militar obrigatório.

Anualmente, 50 mil jovens voltam à vida civil após cerca de um ano com disciplina, hierarquia, regulamentos rígidos, rotinas comuns à caserna e como objeto de doutrinação ideológica.

O maior perigo são os militares temporários que convivem até 8 anos na Força e, muito jovens, assumem comandos sem vivência social e política suficiente para entender os limites do poder.

Os oficiais ainda têm a vida acadêmica, mas os graduados, cabos e sargentos, na maioria, vivem um ápice de poder sem base intelectual e cultural de chefia e liderança, exceto panfletos, manuais, regulamentos e exemplos, nem sempre positivos.

No Exército, cumprir ordens supera o cumprir sua responsabilidade, exige obediência cega, compreensível em um ambiente formado por jovens que precisam ser alinhados ao RDE.

Um cabo ou sargento manda sem contestação.

O sargento de carreira, em sua maioria, é o pai ou o tio, respeitado pela experiência e atitude.

O sargento temporário convive com subordinados da mesma idade, muitas vezes, colegas de incorporação. A falta de experiência e essa relação próxima exige que a ordem seja imperiosa.

O tenente vive outra experiência, compartilha decisões e responsabilidades com 4 a 6 sargentos. Seja da AMAN ou dos CFOR, aprende a respeitar a opinião dos mais velhos e experientes, ouvir para decidir. Muitos graduados têm de tempo de serviço o que ele tem de vida. Sob seu comando estão jovens com quase a sua idade, podendo ser um ideal para eles.

Ao terminar seu tempo, repentinamente e sem preparo, perdem o poder, descobrem que suas competências profissionais não têm utilidade no mundo real e têm dificuldade em viver num ambiente diverso, plural e democrático, onde sua palavra vale tanto quanto a do outro.

Alguns se readaptam, outros absorvem a postura militar e o discurso ideológico e têm dificuldades em debater e conviver em grupo. Uma atitude que pode lhes custar caro.

Esse é um modelo que se perpetua em nossa história, uma sombra sobre a sociedade, ameaça à estabilidade e um risco à democracia. A formação militar privilegia mitos, heróis, superiores infalíveis. É uma estrutura paternalista, cada um cuidando do seu quadrado, cumprindo cegamente o regulamento e com a garantia de que o superior resolverá os problemas.

Organizações hierárquicas jamais serão democráticas e justas, sempre haverá os peixes, safos, bisonhos e alterados, conceitos que não estão nas pessoas, mas em quem avalia e promove.

As FFAA, além da Constituição, seguem a Estratégia Nacional de Defesa e a Política de Defesa Nacional e desconheço o alinhamento ideológico incluído em seu adestramento. A escolha de inimigos fictícios prejudica o cumprimento de sua missão, além do risco à estabilidade por rompantes autoritários e golpistas, como estudamos na história brasileira e vivemos nos últimos anos.

Gestado desde 2012, o processo de tentativa de desestabilização atual teve seu lançamento público dentro da AMAN, em 2016, contaminando gravemente uma safra de cadetes que em sua maioria nasceu na democracia.

Acho que o general Tomás poderia preparar debates democráticos analisando historicamente o golpe e a ditadura, uma autocrítica dolorosa, que creio necessária, mas sei que é pedir demais.

O pensamento único é uma violência ao livre arbítrio e à democracia. Os militares sabem que estratégica e taticamente, há mais de um caminho para se atingir o mesmo objetivo.