É um texto um pouco longo, mas o assunto
merece o preciosismo, principalmente por estarmos na semana em que festejamos
os 524 anos do “descobrimento” do Brasil.
Em 2024, completamos 10 anos do início do desastre que assola o país e interrompeu uma história que alinhava o Brasil para um futuro, não perfeito, mas democrático, estável e promissor. Não foi um golpe tradicional e radical como 64, mas seus efeitos também serão sentidos por décadas e seus fantasmas seguem e seguirão andando livremente entre nós.
Muitos dão os protestos de julho de 2013
como início, mas o grande culpado é Aécio Neves. Sua birra em contestar sua
derrota para Dilma, nas eleições de 2014, alimentou o monstro que vem se
agigantando. Seu ego não aceitou a derrota para uma mulher, também mineira e
ainda por cima, um “poste”. Aécio nunca se imaginou pequeno como realmente é,
destruindo o legado político de seu avô Tancredo.
O resultado foi o fim do centro, uma
direita engolida pela extrema-direita e uma esquerda atônita com a fúria e a
violência do fascismo político-religioso que culminou com o triste resultado das
eleições de 2018, tanto no parlamento quanto à presidência.
Eles avançam sobre mentiras (kit gay, anti-vacinas, perseguição religiosa, conspirações,
ideologia de gênero), medos
(comunismo, fim da família, ditadura, limite à liberdade de expressão) e excentricidades burras (terra plana,
antipetismo e teorias da conspiração). Se armam
com armas e fé, criando uma bancada teo-paramilitar
(se não existe o termo, acabo de criar), atuando no crime (tráfico e armas), domínio
territorial pelo medo, subjugando pela fé e como organização político
empresarial. A votação da manutenção da prisão de um de seus membros, o
deputado Brazão, mostrou seu tamanho e organização.
Combater
o crime é mais fácil do que as milícias e a fé canalha, porque envolve cultura, religião e a
contaminação invisível dentro do próprio estado. Não é por nada que tentam tomar as escolas, negam a ciência e perseguem
a arte.
O centrão,
criado pelo centro pragmático para conter os avanços de uma constituição progressista empurrando temas caros aos
conservadores para a legislação ordinária, se transformou num balcão de negócios escusos abrigando
criminosos, milicianos, grileiros, posseiros, corruptos, aproveitadores de
ocasião e sacripantas mercadores da fé.
A atitude de Aécio levou o crime ao poder. Na eleição de 2014, Eduardo
Cunha foi o maior financiador de
parlamentares, elegendo uma bancada suprapartidária
numerosa. Tinha representantes federais e estaduais em todos os estados. Travou o governo Dilma, liderou o impeachment, sequestrou o governo Temer, criou Artur Lira e governou no do capitão. Hoje, é um deputado sem mandato, despachando diariamente no gabinete da
filha Daniela, deputada federal. De lá, longe dos holofotes, sem risco de
perder o mandato e sem regras de decoro, orienta Lira, recebe prefeitos,
conspira e tenta chantagear o país enfrentando
um governo profissional e organizado.
A direita
precisa urgentemente reagir e construir um espaço político em que possa constituir uma liderança liberal que
catalise a direita racional, programática, ideológica e lógica.
O centro
precisa afastar as lideranças personalistas e juntar seus cacos. Abalado pelo ego de Aécio e seus pares, levou
nocaute com a arrogância e ambição personalista de Dória. E a extrema-direita
pesca entre seus escombros aqueles
sem condições de sobreviver politicamente por seus próprios méritos. Na janela
eleitoral encerrada no dia 5 de abril, perdeu TODOS os seus vereadores em 12 capitais. Talvez o PSDB não seja
capaz de cumprir esse papel.
A esquerda
precisa constituir um herdeiro
político com capacidade de unir suas vertentes e representar o legado Lula. Articular
uma composição sensata que promova o debate com outros espectros ideológicos e
movimentos sociais e patronais. Lula sempre será uma referência, mas como a
luta será longa, o tempo é seu inimigo para que seja protagonista.
É uma luta que só será vencida se esquerda, direita e centro estiverem
juntas para discutir um plano conjunto,
isolando a extrema-direita, porque como diz Barbara Wesel, jornalista da Deustche
Welle que acompanha o crescimento da extrema-direita mundial, “com a
extrema-direita não há diálogo”.
O bolsonarismo nada mais é do que o sintoma da degradação institucional, política, moral e social do país promovido
a solução do problema. É o
representante de uma extrema-direita que não precisa de discurso, lógica ou
ideologia, apenas de narrativas, mentiras e audiência cativa com desvio de
personalidade, dissonância cognitiva ou frágeis social e intelectualmente. Uma
estratégia que visa a implantação de uma agenda ultraliberal neopentecostal que
aumentaria a desigualdade social e econômica, criando mais insatisfeitos para seus
quadros. Um projeto de caos e realimentação.
Não podemos mais tratar como excentricidade, piada ou falta de polimento social e político porque as
manifestações de Milei em apoio a Elon Musk, os arroubos ditatoriais e
genocidas de Netanyahu, a ordem de invasão
de Noboa à embaixada do México, o
discurso imperialista e xenófobo de Trump,
a tentativa de golpe contra Arévalo,
na Guatemala, em janeiro, a radicalização e destruição do estado por Bukele, em El Salvador, o
anti-progressismo de Orbán, na
Hungria e o avanço eleitoral da
extrema-direita pelo mundo mostram que o movimento é organizado e
internacional.
As autocracias
de esquerda sobrevivem no personalismo
e força, como Maduro e Noriega. As de direita são entreguistas e sobrevivem com o capital da venda de suas riquezas e
patrimônio e o apoio internacional orquestrado
do movimento extremista.
São extremistas
políticos, uma minoria barulhenta se
arvorando de maioria, contrários às instituições representativas, ao debate de
ideias e a vontade da verdadeira maioria. Usam discursos com fundamentalismo religioso, político,
econômico, numa pauta ultraliberal que
sob o manto de uma guerra cultural e
da luta entre o bem e o mal, escondem o objetivo de tomar o poder para institucionalizar uma ditadura. Como
último recurso e sem qualquer pudor, usam a força e a violência.
O combate ao extremismo é mundial e as últimas eleições em
Portugal mostraram isso com o avanço do voto neopentecostal e os primeiros
sinais de invasão do PCC pegando carona evangélica no país. Felizmente, direita
e esquerda se uniram para conter seu poder (coloco
nos comentários o link para uma matéria sobre o assunto).
Temos que pegar essa nau, sem importar quem está a bombordo, estibordo, proa ou popa. Importa que o Brasil cumpra seu destino de chegar no porto da paz e justiça social.
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