Cincopes

on 15 abril 2024

POLÍTICA - PRECISAMOS REDESCOBRIR O BRASIL

É um texto um pouco longo, mas o assunto merece o preciosismo, principalmente por estarmos na semana em que festejamos os 524 anos do “descobrimento” do Brasil.

Em 2024, completamos 10 anos do início do desastre que assola o país e interrompeu uma história que alinhava o Brasil para um futuro, não perfeito, mas democrático, estável e promissor. Não foi um golpe tradicional e radical como 64, mas seus efeitos também serão sentidos por décadas e seus fantasmas seguem e seguirão andando livremente entre nós.

Muitos dão os protestos de julho de 2013 como início, mas o grande culpado é Aécio Neves. Sua birra em contestar sua derrota para Dilma, nas eleições de 2014, alimentou o monstro que vem se agigantando. Seu ego não aceitou a derrota para uma mulher, também mineira e ainda por cima, um “poste”. Aécio nunca se imaginou pequeno como realmente é, destruindo o legado político de seu avô Tancredo.

O resultado foi o fim do centro, uma direita engolida pela extrema-direita e uma esquerda atônita com a fúria e a violência do fascismo político-religioso que culminou com o triste resultado das eleições de 2018, tanto no parlamento quanto à presidência.

Eles avançam sobre mentiras (kit gay, anti-vacinas, perseguição religiosa, conspirações, ideologia de gênero), medos (comunismo, fim da família, ditadura, limite à liberdade de expressão) e excentricidades burras (terra plana, antipetismo e teorias da conspiração). Se armam com armas e fé, criando uma bancada teo-paramilitar (se não existe o termo, acabo de criar), atuando no crime (tráfico e armas), domínio territorial pelo medo, subjugando pela fé e como organização político empresarial. A votação da manutenção da prisão de um de seus membros, o deputado Brazão, mostrou seu tamanho e organização.

Combater o crime é mais fácil do que as milícias e a fé canalha, porque envolve cultura, religião e a contaminação invisível dentro do próprio estado. Não é por nada que tentam tomar as escolas, negam a ciência e perseguem a arte.

O centrão, criado pelo centro pragmático para conter os avanços de uma constituição progressista empurrando temas caros aos conservadores para a legislação ordinária, se transformou num balcão de negócios escusos abrigando criminosos, milicianos, grileiros, posseiros, corruptos, aproveitadores de ocasião e sacripantas mercadores da fé.

A atitude de Aécio levou o crime ao poder. Na eleição de 2014, Eduardo Cunha foi o maior financiador de parlamentares, elegendo uma bancada suprapartidária numerosa. Tinha representantes federais e estaduais em todos os estados. Travou o governo Dilma, liderou o impeachment, sequestrou o governo Temer, criou Artur Lira e governou no do capitão. Hoje, é um deputado sem mandato, despachando diariamente no gabinete da filha Daniela, deputada federal. De lá, longe dos holofotes, sem risco de perder o mandato e sem regras de decoro, orienta Lira, recebe prefeitos, conspira e tenta chantagear o país enfrentando um governo profissional e organizado.

A direita precisa urgentemente reagir e construir um espaço político em que possa constituir uma liderança liberal que catalise a direita racional, programática, ideológica e lógica.

O centro precisa afastar as lideranças personalistas e juntar seus cacos. Abalado pelo ego de Aécio e seus pares, levou nocaute com a arrogância e ambição personalista de Dória. E a extrema-direita pesca entre seus escombros aqueles sem condições de sobreviver politicamente por seus próprios méritos. Na janela eleitoral encerrada no dia 5 de abril, perdeu TODOS os seus vereadores em 12 capitais. Talvez o PSDB não seja capaz de cumprir esse papel.

A esquerda precisa constituir um herdeiro político com capacidade de unir suas vertentes e representar o legado Lula. Articular uma composição sensata que promova o debate com outros espectros ideológicos e movimentos sociais e patronais. Lula sempre será uma referência, mas como a luta será longa, o tempo é seu inimigo para que seja protagonista.

É uma luta que só será vencida se esquerda, direita e centro estiverem juntas para discutir um plano conjunto, isolando a extrema-direita, porque como diz Barbara Wesel, jornalista da Deustche Welle que acompanha o crescimento da extrema-direita mundial, “com a extrema-direita não há diálogo”.

O bolsonarismo nada mais é do que o sintoma da degradação institucional, política, moral e social do país promovido a solução do problema. É o representante de uma extrema-direita que não precisa de discurso, lógica ou ideologia, apenas de narrativas, mentiras e audiência cativa com desvio de personalidade, dissonância cognitiva ou frágeis social e intelectualmente. Uma estratégia que visa a implantação de uma agenda ultraliberal neopentecostal que aumentaria a desigualdade social e econômica, criando mais insatisfeitos para seus quadros. Um projeto de caos e realimentação.

Não podemos mais tratar como excentricidade, piada ou falta de polimento social e político porque as manifestações de Milei em apoio a Elon Musk, os arroubos ditatoriais e genocidas de Netanyahu, a ordem de invasão de Noboa à embaixada do México, o discurso imperialista e xenófobo de Trump, a tentativa de golpe contra Arévalo, na Guatemala, em janeiro, a radicalização e destruição do estado por Bukele, em El Salvador, o anti-progressismo de Orbán, na Hungria e o avanço eleitoral da extrema-direita pelo mundo mostram que o movimento é organizado e internacional.

As autocracias de esquerda sobrevivem no personalismo e força, como Maduro e Noriega. As de direita são entreguistas e sobrevivem com o capital da venda de suas riquezas e patrimônio e o apoio internacional orquestrado do movimento extremista.

São extremistas políticos, uma minoria barulhenta se arvorando de maioria, contrários às instituições representativas, ao debate de ideias e a vontade da verdadeira maioria. Usam discursos com fundamentalismo religioso, político, econômico, numa pauta ultraliberal que sob o manto de uma guerra cultural e da luta entre o bem e o mal, escondem o objetivo de tomar o poder para institucionalizar uma ditadura. Como último recurso e sem qualquer pudor, usam a força e a violência.

O combate ao extremismo é mundial e as últimas eleições em Portugal mostraram isso com o avanço do voto neopentecostal e os primeiros sinais de invasão do PCC pegando carona evangélica no país. Felizmente, direita e esquerda se uniram para conter seu poder (coloco nos comentários o link para uma matéria sobre o assunto).

Temos que pegar essa nau, sem importar quem está a bombordo, estibordo, proa ou popa. Importa que o Brasil cumpra seu destino de chegar no porto da paz e justiça social.