Adoro caminhar a esmo, perdido em
pensamentos, buscando soluções, analisando pessoas, admirando a paisagem,
surpreendido pelo novo... despreocupadamente ando quando, num relance, vislumbro
uma imagem de minha adolescência.
Meu coração dispara, esfrego os olhos,
pisco rapidamente, suspiro fundo e ela se vai, desvanece, some na multidão.
Fiquei um longo tempo no mesmo lugar, o olhar percorrendo o entorno, o sobressalto por cada figura que saia pelas portas, a esperança fustigando meu coração.
Sua morenice linda, o sorriso
generoso, o brilho de seus olhos negros, o cabelo curto e o andar suave e
estudado sempre me cativaram. O primeiro olhar apaixonado, o primeiro toque
sutil, o aperto da mão gelada, suada e trêmula, o primeiro suspiro de amor.
O ponto de partida foi uma troca
rápida de olhar durante o recreio que se transformou numa conversa na fila da
cantina com um casual roçar dos braços.
O encanto foi quebrado pelo som estridente
da sineta, era hora de cada um seguir seu destino.
Eu, 14 anos, um adolescente ginasial.
Ela, 16 anos, uma mocinha do clássico.
Dois anos era uma eternidade. Ela ia às
festas que eu não podia, sua turma estava para os 18 anos e eu ainda não me afastara
da dos 12. Ela não precisava da autorização para excursões, eu ainda tinha uma
caderneta. Eu brigando com fórmulas e ela voando em francês e inglês.
A diferença de idade era um obstáculo
que um dia, sem mais nem porque, superamos.
Todos os dias, na porta da escola, meu
coração quase saía pela boca com a aproximação do Simca preto e branco. Ela
descia como uma fada com sua saia xadrez, camisa branca com o distintivo do
colégio, meias três-quartos brancas e o sapatinho preto. Nos braços, uma pasta
cinza com elástico e uma bolsa marrom a tiracolo. Só essa lembrança já dispara
meu coração.
Eu ia ao seu encontro e caminhava a
seu lado. Falávamos pouco e os três lances de escada e o longo corredor eram
percorridos lentamente enquanto os ponteiros do relógio giravam rápido.
No recreio, conversávamos sob o enorme
abacateiro, rindo e tentando não dar bandeira, mesmo o pessoal estranhando eu
me misturar com a sua turma e ela, às vezes, se juntar à minha.
Tudo transbordou durante uma feira do
livro realizada na praça defronte ao colégio. No sábado, aconteceu uma
quermesse típica de cidade do interior.
Não foi difícil encontra-la entre a
multidão. Vestia uma minissaia tomara- que- caia amarela que valorizava suas lindas pernas, um pequeno lenço
no pescoço e uma fita vermelha no cabelo, combinando com o batom que realçava
seus lindos lábios. Discretamente, acenou e flutuei até ela. Hipnotizado por
seu sorriso, mal notei sua mão pegar a minha e me arrastar para a pista de
dança improvisada na quadra de basquete.
Nossa primeira dança, rosto colado, sentindo
o calor e tremor inéditos de nossos corpos.
Como
mágica, no momento em que sua mão tocou minha nuca, começou a música que
embalaria meus sonhos românticos por anos, F
Comme Femme, trilha do famoso clássico do cinema, Um Homem Uma Mulher. E
ela traduzia a letra em sussurros quentes em meu ouvido e a última estrofe até
hoje define nós dois naquele momento.
“Na
hora da verdade
Havia
uma mulher e uma criança,
Aquele
menino em que eu me convertera
Contra
a vida, contra o tempo.
Estou
encolhido dentro de minha alma
e
compreendi que ela era mulher”.
Bailamos
em silêncio, apoiou seu rosto candidamente em meu ombro e sua mão apertou a
minha com firmeza. Numa sequência de passos, foi o despertar do desejo e o primeiro
beijo, tímido, inexperiente, furtivo. Entorpecido, quase ouvia nossos
sentimentos.
Desse dia em diante, não importava
mais as matinês para ver Brigite
Bardot, Sophia Loren, Anita Eckberg ou Claudia Cardinale. Eu tinha minha
estrela, minha musa, minha deusa!
Foi
uma época de devaneios, bilhetes, imaginações, surpresas, iniciações e atos apaixonados.
No final do ano, seu pai mudou de cidade e ela se foi. Trocamos algumas cartas,
mas a distância foi cruel e nunca mais no vimos.
Restou
a lembrança de um amor adolescente com as cores da paixão.
Por
instantes, aquela lembrança me rejuvenesceu e meus lábios se abriram num
sorriso.
Como
a sineta no recreio, o sino da catedral avisou que eu deveria seguir meu
destino.
Saudades da Inês, e vale a pieguice: inesquecível!
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